São Paulo, segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

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ALBA ZALUAR

Questão policial

A POLÊMICA acerca da política de segurança envolve questões cruciais. Uma delas é a polícia que queremos para realizar o controle da criminalidade. Já está mais do que claro que o controle democrático da criminalidade tem duas facetas ligadas aos direitos fundamentais: direito à vida, ao ir e vir, à propriedade, à liberdade de pensamento. Uma é viver livre dos danos causados por criminosos. Outra é a ação dos encarregados de nos proteger dos primeiros. O ideal democrático é que a polícia nos proteja, mas que o faça de maneira coerente com o respeito aos direitos civis expressos na Constituição vigente no país.
A limitação do poder de polícia em investigar e reprimir o crime é o preço que pagamos por uma sociedade democrática. É este o modelo da "ordem sob a lei", estratégia democrática, oposta ao Estado despótico, em que o Estado de Direito concretiza o elemento central da cidadania: a proteção pública e estatal dos cidadãos contra a ameaça criminosa e contra os abusos do poder de Estado.
Por isso mesmo, nas democracias consolidadas foram feitas reformas profundas na polícia de modo a transformar todas as classes de cidadãos em sujeitos portadores de direitos que participariam no controle democrático das violações à lei. Nesses modelos ressalta-se a proximidade entre o policial e o morador da vizinhança, que permite a discussão conjunta dos problemas locais a serem enfrentados.
Com uma ressalva importante: esse modelo só funciona se a localidade tiver organização suficiente para agir coletivamente com um mínimo de concordância e de autonomia frente às forças presentes.
Se a trama do tráfico permanece armada, mesmo sem trocar tiros, os moradores não têm nem a independência nem a vontade de participar enquanto interlocutores de policiais. O silêncio sobre os abusos de poder que bem armados traficantes vêm exercendo em favelas brasileiras não ajuda a resolver a equação.
É claro que não se pode esquecer os perigos que correm os que residem nesses territórios. O silêncio deles não é escolha, é medida de sobrevivência. O que fazer para dar a esses indefesos moradores a possibilidade de dizer não ao despotismo de policiais violentos e de traficantes tirânicos?
Existe uma terceira via para o trabalho policial. É o baseado na investigação que, sem nenhuma troca de tiros, consegue desbaratar a nem tão intricada rede que liga olheiros e soldados a traficantes e fornecedores. Mas é preciso ir mais longe: aos alquimistas que transformam o dinheiro ilegal em legal, os que mais ganham com o pandemônio aqui instalado.


ALBA ZALUAR escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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