São Paulo, segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

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O desenvolvimentismo

ROBERTO LUIS TROSTER


Falta ao país um projeto que sintonize as decisões de política, coordene as ações de governo e oriente a sociedade


FALTA AO país um projeto completo, que exprima o sentimento de nação e de futuro, que sintonize as decisões de política, coordene as ações de governo e oriente a sociedade. O desenvolvimentismo é candidato a preencher essa lacuna, já que foi anunciado como a política econômica em vigor. Porém, não há uma definição de desenvolvimentismo que possa ser usada para esse fim. As referências disponíveis não satisfazem.
O termo desenvolvimentismo é abrangente demais para ser entendido e aplicado, pois é usado desde o começo do século passado em toda a América Latina em contextos diversos e com propostas muito variadas.
As tentativas recentes de explicar o que é também não ajudam: ou são redundantes -o desenvolvimentismo é a estratégia nacional de desenvolvimento-, ou confundem fins com meios -o crescimento é um dos pilares de desenvolvimento-, ou são textos panfletários com boas intenções. Outras colocações, que são recorrentes em autodenominados desenvolvimentistas, preocupam: câmbio competitivo, tolerância com a inflação, redução de juros, acúmulo de reservas e expansão do Estado.
É um discurso tentador, pois, com pouco esforço, o Brasil do futuro estaria virando o Brasil do presente, mas inconsistente. Essas políticas já foram aplicadas, em outros contextos, com resultados desastrosos. Políticas de juros abaixo do equilíbrio, câmbio desvalorizado e tolerância com a inflação são medidas que têm apenas efeitos financeiros na produção; atuam reduzindo o salário real para aumentar a competitividade por um período limitado. Seus benefícios antecedem seus custos: mais crescimento agora e mais inflação, juros elevados e câmbio apreciado depois; ou seja, pão hoje e fome amanhã.
A proposta de Estado também é falaciosa. Associa arrecadação elevada, inchaço no funcionalismo e assistencialismo a Estado grande. Mas o que favorece o desenvolvimento é um Estado forte, que proporcione infra-estrutura, segurança, serviços públicos e inclusão social duradoura com educação, saúde e empreendedorismo.
O apelo a reservas elevadas é comum no discurso de alguns desenvolvimentistas. Confundem o entesouramento de capital financeiro com o acúmulo de capital produtivo -capital físico, capital humano e capital social, ou seja, investimentos em instituições, infra-estrutura, fábricas e educação, que geram riquezas.
Atribuir o crescimento que estamos vivendo a políticas desenvolvimentistas é negar a realidade. O que se vive é o rosto amigável da globalização: o crescimento mundial elevou os preços das commodities em mais de 100%; com isso, aumentaram as nossas exportações, melhorou a balança comercial, a cotação do dólar despencou, arrefecendo a inflação e abrindo o vácuo para a queda dos juros.
Esse quadro, combinado com os fluxos financeiros internacionais, acelerou o crescimento. O destaque é que são dois impulsos que vêm de fora para dentro e aceleram o PIB.
Não se está aproveitando o bom momento. O Brasil está exportando uma proporção crescente de matérias-primas com baixo valor agregado e importando cada vez mais bens de consumo, e os gastos do governo estão crescendo a uma taxa maior que a de crescimento da economia. É uma situação insustentável no médio prazo. Durará enquanto os preços das exportações se mantiverem elevados.
Diferentemente dos desenvolvimentistas dos anos 1950, que buscavam uma forma de diminuir o atrelamento do crescimento nacional aos humores da economia mundial, os atuais estão criando uma nova dependência. É um saudosismo irresponsável. A história mostra que quadros de bonança global, como o que estamos vivendo, ocorrem, mas têm começo, meio e fim. Apostar neles é arriscado.
Enfim, o discurso desenvolvimentista promete, mas lhe falta uma agenda com poucos adjetivos e com conteúdo. Urge uma concepção consistente de desenvolvimentismo, com um conjunto estruturado de idéias e propostas que possa gerar um impulso de crescimento sustentável e de inclusão social duradouro; uma visão de futuro a ser partilhada pela sociedade.
A boa notícia é que os bons ventos da globalização, com preços das commodities elevados, vão continuar soprando por mais algum tempo; e, com isso, poderemos usufruir da etapa atual um pouco mais e, quiçá, ajustar o rumo para um porto mais seguro com uma proposta de desenvolvimentismo crível.


ROBERTO LUIS TROSTER , 57, doutor em economia pela USP, é sócio da Integral Trust. Foi economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), da ABBC e do Banco Itamarati.

robertotroster@uol.com.br

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