São Paulo, quarta-feira, 18 de janeiro de 2006

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IGOR GIELOW

Paixão incorrigível

BRASÍLIA - Grande é a paixão do governo Lula por atos de moralismo retórico que, rapidamente, revelam traços de autoritarismo. O instinto até adormece de tempos em tempos, mas parece seguir o conselho certeiro do francês La Rochefoucauld (1613-80) sobre o amor: "A ausência diminui as pequenas paixões e aumenta as grandes, assim como o vento apaga velas, mas incrementa incêndios".
Depois de um tempo quieto, o coração do governo voltou a disparar. Foi ressuscitada uma proposta para punir mais rigidamente o que é considerado desvios na utilização de grampos. A idéia dormia na Casa Civil e foi assinada por um grupo de advogados no qual se destacava um amigão de José Dirceu, Antônio Carlos de Almeida Castro.
Pela idéia, o grampo legal será uma peça destinada a um sigilo público eterno. Divulgação na imprensa dá cadeia. Num corporativismo típico, advogados ganham imunidade a grampos -há direitos óbvios a preservar na relação entre cliente e defensor, mas, se o doutor combinar com um quadrilheiro uma fuga de cinema, ninguém irá saber.
Tudo muito vago, como convém a uma idéia fadada a cair devido ao inoportunismo político. Como suas antecessoras, como o Conselho Federal de Jornalismo, a Ancinave.
O debate em si é justificável. Existe um mercado de grampos de todos os tipos, como qualquer repórter de política iniciante sabe. Há promotores, procuradores e policiais loucos por ribalta. Há irresponsabilidade de vários meios de comunicação e jornalistas que fazem acordos com o tinhoso por 15 minutos de fama.
Mas o que sobressai é a vontade do governo de limitar escândalos. Se a lei estivesse em vigor, a fita do caso Waldomiro Diniz teria virado pó. O famoso vídeo ilegal de Maurício Marinho embolsando R$ 3.000 talvez nunca tivesse sido divulgado. Há argumentos pró e contra esses instrumentos. Mas, sem o vídeo, talvez não houvesse Roberto Jefferson e o "mensalão".
É aí que entra o interesse público, que foi ignorado até aqui. É a praxe.


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