São Paulo, quarta-feira, 18 de janeiro de 2006

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ANTONIO DELFIM NETTO

É 5%, senhor presidente

A grande discussão do momento é se vamos crescer 4% (como disse que podemos o senhor Domingo de Rato, diretor-gerente do FMI), se chegaremos a 5% (como afirma o ministro Palocci) ou se a apenas 3,5% (como sugere, há 36 semanas, o "Relatório de Mercado", do Banco Central).
O problema com tais "previsões" é que o futuro não está "congelado" no passado e "descongela-se" lentamente como presente, de forma que "nada pode ser feito a não ser apreciar o espetáculo". O ano de 2006 vai ser o que tivermos a capacidade de fazer dele, dentro das circunstâncias impostas pela economia mundial. Já o de 2005 foi o resultado natural do nosso temor de aproveitar a conjuntura externa favorável para manter o ritmo de crescimento que havíamos adquirido no final de 2004.
A queda no ritmo do desenvolvimento foi produzida por duas circunstâncias: 1º) a idéia equivocada de que a taxa de crescimento potencial do país é de 3,5% e 2º) a ambição de reduzir em 2,5% a taxa de inflação (de 7,6% em 2004 para 5,1% em 2005). O Banco Central tomou a nuvem (aumento de impostos) por Juno (pressão da demanda global) e fez o que costumam fazer os seus parceiros ultraconservadores: elevou a taxa de juro real para dissipar a pressão do vapor da máquina...
O resultado só não foi pior porque a expansão do comércio e o dinamismo atingido por nossas exportações aliviaram a dependência externa construída na octaetéride fernandista. São resultados importantes desse processo o saldo comercial da ordem de US$ 44,5 bilhões e o saldo em conta corrente de US$ 15 bilhões (1,9% do PIB).
Mais significativa foi a dramática redução da dívida externa líquida, que caiu de US$ 195 bilhões em 2002 (3,2 vezes as exportações) para US$ 127 bilhões em 2005 (praticamente um ano de exportação). A dívida pública líqüida é hoje menos de 3% do PIB -um quinto da que era em 2002. São esses números que explicam a melhora do risco Brasil, o sucesso dos lançamentos do Tesouro e parte da valorização do dólar. A outra parte é explicada pela pequena importação, resultado da "murcha" do crescimento e da arbitragem de juros que transformou o real na "commodity" mais desejada do mundo.
A situação hoje é outra. O Banco Central já acredita em crescimento de 4% do PIB. Há um reconhecimento geral de que ele abusou do conservadorismo a que se obriga todo Banco Central. Os resultados do quarto trimestre são perturbadores e colocam dúvidas até sobre o crescimento de 2,5% em 2005. Existe, portanto, um espaço importante a uma redução ordenada e responsável da taxa de juro real, com uma taxa Selic no final de 2006 da ordem de 11% ou 12% (juro real de 7% mais uma expectativa de inflação para 2007 da ordem de 3,5% a 4%). Muito longe, portanto, do "Relatório de Mercado", que ainda estima 15% para a taxa Selic em 31/12/06. Isso nos deixaria com uma taxa de juro real em dezembro da ordem de 11%, com a qual podemos esquecer 2006...
O desenvolvimento é um estado de espírito. Ele ocorre quando a liderança política é capaz de acender o "espírito animal" dos empresários e levá-los a acreditar no crescimento, o que eleva o investimento e amplia a demanda global.
Se o presidente Lula quer mesmo um crescimento de 5% para 2006, tem de estimular o setor privado a fazê-lo.
O crescimento está anestesiado nos temores do sistema financeiro e na miopia do governo!


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.
@ - dep.delfimnetto@camara.gov.br


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