|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
O contrato errado, na hora errada
PLINIO DE ARRUDA SAMPAIO
O "turn key" só se justifica quando o órgão público não tem competência técnica para fiscalizar a obra. É claro que não é o caso do Metrô
ESTE ARTIGO não trata de culpas,
mas da inconveniência do tipo
de contrato que a administração
Alckmin celebrou com um consórcio
de empreiteiras para a construção da
linha 4 do metrô. Trata-se da modalidade denominada "turn key" -expressão inglesa cuja tradução mais
aproximada significa: "Entrega da
obra pronta para funcionar, bastando
apenas ligar a chave".
Por meio desse instrumento, o órgão público acerta com os construtores as especificações e o preço da
obra, deixando todo o resto por conta
deles: "projetar, fabricar, testar, entregar, instalar e comissionar (com
subcontratadas) instalações".
Dependendo das circunstâncias,
esse tipo de contrato pode ser adequado, mas, no caso de uma obra do
porte e da complexidade de uma via
subterrânea de metrô, é evidentemente inconveniente.
Só se justifica a adoção da modalidade "turn key" quando o órgão público não tem competência técnica
para fiscalizar a execução da obra.
Ora, esse não é absolutamente o caso
do Metrô (Companhia do Metropolitano de São Paulo), cujos engenheiros
são respeitados em todo o mundo.
A engenharia brasileira -que não
fica a dever a nenhuma outra do planeta- desenvolveu há muito tempo
um procedimento seguro para a execução de obras complexas: o órgão estatal contrata o projeto com uma firma; a execução, com outra; o assentamento das fundações, com uma terceira; e assim por diante, reservando
para o pessoal do seu quadro técnico o
gerenciamento da obra.
Evidentemente, há no procedimento descrito uma presunção de
que, sem fiscalização, as contratadas
podem cometer abusos. Mas a racionalidade é outra: sempre que concebemos um projeto, concentramos
nossa atenção em alguns aspectos do
problema a resolver e deixamos de lado outros, de modo que, na hora de
acompanhar sua execução, aspectos
relevantes podem ser omitidos. Uma
terceira pessoa, cuja atenção não foi
viciada pelo momento da concepção,
pode enxergar o que o autor do projeto não consegue ver.
Não são claras as razões que levaram a administração de Geraldo Alckmin a trocar um procedimento seguro pelo "turn key". Elas precisam ser
apuradas pelo Ministério Público.
Cabe até mesmo questionar a possibilidade de firmar esse tipo de contrato,
considerando a legislação que regula
as parcerias público-privadas, como
argumentou judiciosamente o procurador de Justiça João Francisco Moreira Viegas nesta mesma seção "Tendências/Debates", na edição de ontem (dia 17/1).
Independentemente, porém, do aspecto jurídico, convém assinalar que
parceria público-privada, terceirização, contrato "turn key", tudo isso faz
parte de um pacote de medidas destinadas a debilitar o Estado.
Subjacente ao discurso "técnico"
que pretende justificar essas novas
modalidades contratuais, há uma
mensagem subliminar discriminatória dos profissionais do setor público
diante de seus colegas do setor privado. Trata-se de uma política extremamente nociva a um país que precisa
demais do setor publico para realizar
obras de infra-estrutura.
Se o governo tivesse ouvido os técnicos do seu quadro profissional, provavelmente a tragédia da rua Capri
não teria ocorrido, pois o sindicato
dos metroviários cansou de alertá-lo
sobre as irregularidades que estavam
acontecendo.
Por isso, o melhor que o governo estadual pode fazer agora que o desastre
está consumado é dar ouvidos à nota
da entidade pedindo a interrupção da
obra, a inclusão de seus representantes e do sindicato dos engenheiros do
Estado na comissão encarregada de
examinar as causas do desabamento e
a ampliação do escopo desta para analisar a obra em conjunto.
PLINIO DE ARRUDA SAMPAIO, 76, advogado, é presidente da Abra (Associação Brasileira de Reforma Agrária) e
diretor do "Correio da Cidadania". Foi deputado federal
pelo PT-SP (1985-91), consultor da FAO (Organização das
Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação) e candidato do PSOL ao governo de São Paulo em 2006.
Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Leandro R. Tessler: Verdadeira reforma do ensino superior
Índice
|