São Paulo, quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O contrato errado, na hora errada

PLINIO DE ARRUDA SAMPAIO

O "turn key" só se justifica quando o órgão público não tem competência técnica para fiscalizar a obra. É claro que não é o caso do Metrô

ESTE ARTIGO não trata de culpas, mas da inconveniência do tipo de contrato que a administração Alckmin celebrou com um consórcio de empreiteiras para a construção da linha 4 do metrô. Trata-se da modalidade denominada "turn key" -expressão inglesa cuja tradução mais aproximada significa: "Entrega da obra pronta para funcionar, bastando apenas ligar a chave".
Por meio desse instrumento, o órgão público acerta com os construtores as especificações e o preço da obra, deixando todo o resto por conta deles: "projetar, fabricar, testar, entregar, instalar e comissionar (com subcontratadas) instalações".
Dependendo das circunstâncias, esse tipo de contrato pode ser adequado, mas, no caso de uma obra do porte e da complexidade de uma via subterrânea de metrô, é evidentemente inconveniente.
Só se justifica a adoção da modalidade "turn key" quando o órgão público não tem competência técnica para fiscalizar a execução da obra.
Ora, esse não é absolutamente o caso do Metrô (Companhia do Metropolitano de São Paulo), cujos engenheiros são respeitados em todo o mundo.
A engenharia brasileira -que não fica a dever a nenhuma outra do planeta- desenvolveu há muito tempo um procedimento seguro para a execução de obras complexas: o órgão estatal contrata o projeto com uma firma; a execução, com outra; o assentamento das fundações, com uma terceira; e assim por diante, reservando para o pessoal do seu quadro técnico o gerenciamento da obra.
Evidentemente, há no procedimento descrito uma presunção de que, sem fiscalização, as contratadas podem cometer abusos. Mas a racionalidade é outra: sempre que concebemos um projeto, concentramos nossa atenção em alguns aspectos do problema a resolver e deixamos de lado outros, de modo que, na hora de acompanhar sua execução, aspectos relevantes podem ser omitidos. Uma terceira pessoa, cuja atenção não foi viciada pelo momento da concepção, pode enxergar o que o autor do projeto não consegue ver.
Não são claras as razões que levaram a administração de Geraldo Alckmin a trocar um procedimento seguro pelo "turn key". Elas precisam ser apuradas pelo Ministério Público.
Cabe até mesmo questionar a possibilidade de firmar esse tipo de contrato, considerando a legislação que regula as parcerias público-privadas, como argumentou judiciosamente o procurador de Justiça João Francisco Moreira Viegas nesta mesma seção "Tendências/Debates", na edição de ontem (dia 17/1).
Independentemente, porém, do aspecto jurídico, convém assinalar que parceria público-privada, terceirização, contrato "turn key", tudo isso faz parte de um pacote de medidas destinadas a debilitar o Estado. Subjacente ao discurso "técnico" que pretende justificar essas novas modalidades contratuais, há uma mensagem subliminar discriminatória dos profissionais do setor público diante de seus colegas do setor privado. Trata-se de uma política extremamente nociva a um país que precisa demais do setor publico para realizar obras de infra-estrutura.
Se o governo tivesse ouvido os técnicos do seu quadro profissional, provavelmente a tragédia da rua Capri não teria ocorrido, pois o sindicato dos metroviários cansou de alertá-lo sobre as irregularidades que estavam acontecendo.
Por isso, o melhor que o governo estadual pode fazer agora que o desastre está consumado é dar ouvidos à nota da entidade pedindo a interrupção da obra, a inclusão de seus representantes e do sindicato dos engenheiros do Estado na comissão encarregada de examinar as causas do desabamento e a ampliação do escopo desta para analisar a obra em conjunto.


PLINIO DE ARRUDA SAMPAIO, 76, advogado, é presidente da Abra (Associação Brasileira de Reforma Agrária) e diretor do "Correio da Cidadania". Foi deputado federal pelo PT-SP (1985-91), consultor da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação) e candidato do PSOL ao governo de São Paulo em 2006.

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