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Verdadeira reforma do ensino superior
LEANDRO R. TESSLER
Vale ver de perto o projeto da Universidade Nova. Ele tem excelente potencial
para efetuar verdadeira reforma do ensino superior
O ANTEPROJETO de lei que estabelece as normas gerais da
educação superior, a chamada
Lei de Reforma da Educação Superior, está em discussão no Congresso
Nacional. Consiste essencialmente
em regulamentações e medidas administrativas para o sistema, sem fazer
menção à razão de ser das instituições
de ensino superior: a formação de
pessoal qualificado.
Infelizmente, o Brasil ainda se encontra no século 19 em termos de estrutura acadêmica. Admitimos estudantes por meio de uma instituição
única no mundo chamada vestibular.
Cada candidato concorre a uma vaga
em um curso de graduação determinado. Em algumas universidades
grandes, são mais de cem opções.
Enquanto isso, na parte do mundo
que proporciona acesso igualitário à
educação superior de qualidade, a
realidade é outra.
Na Europa, o processo de Bolonha
propõe-se a dividir a educação superior em três ciclos: o primeiro, geral,
com três anos de duração, seguido de
uma formação profissional de um a
três anos e um doutorado para quem
quiserem se tornar pesquisador.
Nos EUA, a educação superior começa com o ingresso em um "college"
dedicado a uma grande área do conhecimento. Após uma formação inicial geral de dois a três anos, os estudantes continuam sua formação profissional. Além disso, uma extensa rede de "colleges" comunitários, instituições não-universitárias de ensino
superior que oferecem cursos de curta duração, detém quase metade do
total de matrículas. Nada impede os
egressos desses "colleges" de continuar seus estudos em universidades.
Há um consenso internacional de
que a formação superior inicial deve
ser geral, aberta e flexível. Isso é o
oposto do que é praticado mesmo nas
mais prestigiosas instituições brasileiras: cursos de graduação com currículos estanques, numa concepção
fragmentadora do conhecimento, sobrecarga de aulas, especialização precoce, pouca articulação entre graduação e pós-graduação.
No Brasil acadêmico atual, é praticamente impossível encontrar tempo
para que um estudante de engenharia
tenha acesso à filosofia ou para que
um estudante de arte se delicie com
os fundamentos da matemática superior ou a beleza do código genético.
Além da óbvia limitação acadêmica,
o modelo é altamente ineficiente. A
especialização precoce exige disciplinas específicas para cada curso de
graduação, proporcionando uma formação bitolada e um desperdício de
recursos. Para piorar, temos um modelo institucional quase único: as universidades, numa concepção ultrapassada que associa qualidade de formação com pesquisa e geração do conhecimento. Expandir esse modelo
tem um custo proibitivo.
Como a expansão do sistema público de ensino superior é uma prioridade dos governos federal e estadual, é
preciso buscar alternativas.
Um projeto ambicioso vem sendo
chamado de Universidade Nova pelo
seu proponente, o reitor da UFBA
(Universidade Federal da Bahia),
Naomar de Almeida Filho, e já está
em discussão em várias universidades
federais. Ele contém pelo menos parte da solução para o problema, formulando uma estrutura acadêmica revolucionária para o Brasil, apesar de
muito próxima dos melhores sistemas de ensino superior do mundo.
Na Universidade Nova, os estudantes ingressam no que foi chamado de
bacharelado interdisciplinar (BI).
Com duração de três anos, a formação
nos BIs contemplará grandes áreas do
conhecimento. Nada de criar ciclos
básicos, há muito superados, mas estruturar cursos-tronco que se estenderão ao longo dos três anos sobre assuntos fundamentais. Os módulos de
formação obrigatórios constituirão
no máximo um terço do currículo. Pelo menos outro terço deverá ser feito
fora da grande área, motivando uma
visão mais abrangente de mundo.
Ao fim dos três anos, o bacharel interdisciplinar poderá continuar sua
formação profissional específica por
mais um a três anos, dependendo da
graduação escolhida. O critério de seleção para a etapa de formação profissional levará em conta o desempenho
acadêmico durante o BI, em lugar de
apenas o desempenho no vestibular.
O eventual ingresso nos cursos de
pós-graduação ocorrerá após a formação profissional ou imediatamente após o BI para alunos excepcionalmente talentosos.
A estrutura modular da Universidade Nova permite a criação de instituições públicas e privadas de ensino
superior que ofereçam apenas os BIs.
Outras instituições poderão oferecer
apenas a formação profissional ou a
pós-graduação. As universidades oferecerão todas as etapas. A possibilidade de transferência entre instituições
ao longo da graduação abre possibilidades inéditas, incluindo aí intercâmbios nacionais ou internacionais.
Por certo muitas questões ainda estão abertas e precisam ser discutidas
e esclarecidas. No entanto, o projeto
da Universidade Nova deve ser acompanhado de perto pelos responsáveis
pela gestão da educação superior no
país e no Estado. Ele tem um excelente potencial para combinar um ensino moderno e de melhor qualidade
com a expansão responsável e economicamente viável do sistema. É precisamente isso que devemos esperar de
uma reforma da educação superior.
LEANDRO R. TESSLER, 45, doutor em física, é o coordenador-executivo da Comvest (Comissão de Vestibulares
da Unicamp).
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