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Reforma tributária sem discriminação
MERHEG CACHUM
Na análise da questão tributária, não se deve ressuscitar extemporâneos embates inerentes ao confronto de classes
A DERROTA no Senado da
emenda constitucional que
restabelecia a CPMF a partir
de 2008 não pode ser entendida como
resultante de um movimento das
classes empresariais, como tentam
fazer transparecer alguns segmentos
do pensamento brasileiro.
Documento em defesa da extinção
do tributo, subscrito por cerca de 1,5
milhão de pessoas, evidenciou o
quanto os cidadãos desejavam deixar
de pagá-lo em todas as suas transações bancárias.
Esse anseio dos brasileiros, democraticamente interpretado pelo Parlamento, é plenamente justificado,
pois a CPMF, também ao contrário do
que alguns poucos tentam mistificar,
apenava muito mais as pessoas de
menor renda. Isso é óbvio, considerando que sua alíquota de 0,38% era
igual para todo mundo. Ou seja, proporcionalmente, o seu peso era muito
maior para quem ganhava menos.
O movimento pelo fim da CPMF
também foi uma defesa do marco legal. A Constituição do Brasil estabelecia o fim da cobrança desse imposto
em 31 de dezembro de 2007. Assim,
não se tratou, em absoluto, de derrubá-lo, mas sim de propugnar pela defesa da lei.
Tal posição era respaldada, também, pela lógica econômica, à medida
que não havia quaisquer razões para a
recriação do tributo, considerando
que, em 2008, a arrecadação federal já
será R$ 40 bilhões maior do que a do
ano passado, já descontada a receita
da CPMF, sem a qual o Orçamento da
União é suficiente para atender a todas as demandas previstas.
A mesma lógica se aplica à reação
da sociedade à medida, anunciada no
primeiro dia útil do novo ano, referente ao aumento do IOF e da CSLL.
Mais uma vez, o pensamento anacrônico tergiversa e mistifica a questão. O IOF é um imposto com impacto
direto no crédito. Ou seja, implica o
encarecimento de todos os financiamentos, inclusive os contratados por
pequenas e microempresas. Também
encarece as compras feitas com financiamento. Isso inclui toda a linha
branca, equipamentos eletrônicos e
móveis. E, com certeza, quem adquire
tais bens em compras a prazo não é a
elite econômica.
Aliás, é preciso lembrar que a facilidade de crédito ao consumidor, apesar dos juros ainda muito altos, é um
dos fatores que ancoraram o bom desempenho da economia brasileira no
ano de 2007.
Na análise da questão tributária,
não se deve ressuscitar os extemporâneos embates inerentes ao confronto
de classes. Isso já acabou há muito
tempo. É necessário um olhar mais
amplo sobre o assunto.
A reforma tributária é necessária e
premente, sim. Deve contemplar a
ampliação da base de contribuintes,
de modo que mais pessoas e empresas
passem a recolher impostos, para que
todos possam pagar menos. Precisa,
ainda, considerar a desoneração dos
setores produtivos, de maneira a viabilizar mais investimentos, criação de
empregos e distribuição de renda. É
necessário lutar pela desoneração e
simplificação dos tributos.
Também não se pode vislumbrar
uma reforma tributária eficaz caso
não se coloque na mesa de discussões
a análise realista e corajosa da divisão
do bolo fiscal e da atribuição das responsabilidades entre União, Estados
e municípios.
É fundamental, ainda, que o Brasil
tenha um sistema estatal efetivamente organizado, com a definição clara e
precisa das responsabilidades de cada
instância governamental, a otimização dos recursos e o fim das perdas de
dinheiro público, uma das causas da
elevada carga tributária. É preciso
conter esse círculo vicioso.
Finalmente, é inconcebível que
ainda se defenda, em pleno século 21,
a distribuição de renda por meio de
mecanismos de confisco, como sugere um movimento de entidades civis,
em abaixo-assinado encaminhado à
Presidência da República e tornado
público por meio da imprensa.
O Brasil, é inegável, precisa promover a inclusão socioeconômica de alguns milhões de habitantes que seguem alijados dos benefícios da economia. No entanto, a única forma de
vencer esse desafio é a criação de milhares de empregos, somada a uma revolução no ensino e ao atendimento
adequado de demandas prioritárias
da saúde e ao resgate das pessoas que
vivem abaixo da linha da miséria.
Por mais que o governo e o terceiro
setor se mobilizem no âmbito do social, distribuição de renda eficaz somente pode ser feita com empreendedorismo, trabalho e salários dignos.
Na luta pela conquista dessas metas, não cabem discursos antiquados,
desprovidos de amparo lógico e caracterizados por inaceitáveis conceitos discriminatórios.
MERHEG CACHUM, 70, físico, é presidente da Abiplast
(Associação Brasileira da Indústria do Plástico).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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