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RUY CASTRO
Figuras na paisagem
RIO DE JANEIRO - Todo bairro,
não importa o valor de seu IPTU ou
m2, tem seus marginais de estimação -pessoas que vivem nas ruas,
não necessariamente esmolando,
com ou sem alguma deficiência,
mas sempre em andrajos e fora do
alcance de qualquer radar. O Leblon, cujos m2 e IPTU ficam nas estratosferas, também tem os seus.
Ou nós, seus moradores, os temos.
Um deles, e dos mais queridos, é
o bebum do Jornalistas, um conjunto residencial nas ruas internas
perto do Jardim de Alah. Em seus
delírios alcoólicos, ele dirige o trânsito, faz-se de flanelinha e, quando
cisma que alguém manobra mal,
passa-lhe as piores descomposturas, ainda que incompreensíveis.
Não sei seu nome, nem quem lhe
paga a birita. À noite, recolhe-se a
suas caixas de papelão na calçada e
dorme, pacificado.
Outro, antiquíssimo no bairro e o
único mendigo profissional, é o deficiente sobre rolimãs na altura do
cinema Leblon. Os detalhes são o
cabelo, descolorado e em rabo de
cavalo, e a roupinha transada -o
coletinho sobre a pele, à Joe Cocker, ou a camisa tacheada, tipo Jimi
Hendrix. Dá-se com todas as coroas
do pedaço, suas amigas desde os
idos de Woodstock.
A mais dramática, porque nitidamente perturbada, é a mulher das
malas nas cercanias de General Artigas. É uma negra gorda e forte, já
idosa, mas com invejável energia
para carregar cinco ou seis malas
grandes e de modo algum vazias. À
noite, elege uma marquise e usa-as
como cama.
A última a surgir no bairro é a
mulher que, dia sim, dia não, vejo
sentada na escadaria da praia. É como muitas: plásticos, paninhos, papelões, corpo decrépito, idade indefinida. Mas vive atracada a um tesouro: um laptop. Que não sei se
funciona com bateria, nem mesmo
se funciona, e se de fato envia as
mensagens que ela dirige ao mundo.
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