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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Ciro, Serra e 2010
SÃO PAULO - Ciro Gomes se submeteu nos últimos anos a uma dieta
magra e rigorosa: nada de declarações públicas. Para quem tinha tanto apetite retórico, o silêncio não
deve ter lhe custado pouco.
Derrotado em 2002 no primeiro
turno, aderiu à campanha vitoriosa
de Lula, tornando-se a seguir um
ministro disciplinado e discreto,
contra todos os prognósticos. Ele
acredita que suas erupções verbais
e acessos de agressividade foram
decisivos para o fiasco de 2002.
Deputado mais votado do país em
2006, Ciro segue na coalizão lulista,
mas não é mais do governo. E voltou a falar. É claro que a menção às
"mãos às vezes sujas de cocô (mas
não a cabeça)", durante uma discussão com Letícia Sabatella, não é
uma boa reestréia, sob nenhum aspecto. Sugere o retorno do mesmo
personagem fora de controle depois de tão longa hibernação.
Se pudesse ser resumido a isso,
Ciro seria só mais um político truculento e vulgar. Não é. Mesmo a
comparação com Collor, tão freqüente, me parece uma facilidade
(ou miopia) da arrogância paulista.
Tome-se a entrevista que Ciro
concedeu à Folha. FHC e Lula
-diz- são cúmplices da mesma
frouxidão moral em troca de conforto nas relações com o Congresso; o país ainda assim avançou com
Lula, mas desperdiçou oportunidades e não tem projeto; vive refém
da figura carismática de seu líder.
O alvo de Ciro, porém, é José Serra, de quem ele diz "ter valor, mas
não escrúpulos". Falta tempo, mas
a polarização que já se desenha para 2010 é essa: Ciro x Serra.
O primeiro é mais sangüíneo e
solar; o segundo, soturno e melancólico. Os dois são personalidades
arestosas, intransigentes e de inclinação autoritária, o que é uma novidade em relação a FHC e Lula
-líderes que acomodam.
É improvável que um petista venha desbancar essa rivalidade. Mas,
sendo o país o que é, uma figura astuta e tão sintomática das nossas
qualidades e defeitos como Aécio
Neves, o "bon vivant", ainda é capaz
de pregar uma peça nas feras.
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