São Paulo, segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

Ciro, Serra e 2010

SÃO PAULO - Ciro Gomes se submeteu nos últimos anos a uma dieta magra e rigorosa: nada de declarações públicas. Para quem tinha tanto apetite retórico, o silêncio não deve ter lhe custado pouco.
Derrotado em 2002 no primeiro turno, aderiu à campanha vitoriosa de Lula, tornando-se a seguir um ministro disciplinado e discreto, contra todos os prognósticos. Ele acredita que suas erupções verbais e acessos de agressividade foram decisivos para o fiasco de 2002.
Deputado mais votado do país em 2006, Ciro segue na coalizão lulista, mas não é mais do governo. E voltou a falar. É claro que a menção às "mãos às vezes sujas de cocô (mas não a cabeça)", durante uma discussão com Letícia Sabatella, não é uma boa reestréia, sob nenhum aspecto. Sugere o retorno do mesmo personagem fora de controle depois de tão longa hibernação.
Se pudesse ser resumido a isso, Ciro seria só mais um político truculento e vulgar. Não é. Mesmo a comparação com Collor, tão freqüente, me parece uma facilidade (ou miopia) da arrogância paulista.
Tome-se a entrevista que Ciro concedeu à Folha. FHC e Lula -diz- são cúmplices da mesma frouxidão moral em troca de conforto nas relações com o Congresso; o país ainda assim avançou com Lula, mas desperdiçou oportunidades e não tem projeto; vive refém da figura carismática de seu líder.
O alvo de Ciro, porém, é José Serra, de quem ele diz "ter valor, mas não escrúpulos". Falta tempo, mas a polarização que já se desenha para 2010 é essa: Ciro x Serra.
O primeiro é mais sangüíneo e solar; o segundo, soturno e melancólico. Os dois são personalidades arestosas, intransigentes e de inclinação autoritária, o que é uma novidade em relação a FHC e Lula -líderes que acomodam.
É improvável que um petista venha desbancar essa rivalidade. Mas, sendo o país o que é, uma figura astuta e tão sintomática das nossas qualidades e defeitos como Aécio Neves, o "bon vivant", ainda é capaz de pregar uma peça nas feras.


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