São Paulo, segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Ensino público de qualidade

FERNANDO HADDAD E ROBERTO MANGABEIRA UNGER


A qualidade do ensino da criança não deve depender do lugar onde ela nasce; é preciso pensar formas de associação entre as gestões


MELHORAR A qualidade do ensino público é hoje reconhecida prioridade da nação. Para traduzir esse consenso em ação, colaboramos em duas iniciativas. A primeira é a construção de uma rede de escolas médias federais, com dimensão técnica e profissional. A segunda é proposta para reconciliar a gestão das escolas pelos Estados e municípios com padrões nacionais de investimento e qualidade.
O projeto da rede de escolas federais aprofunda e amplia a concepção das escolas técnicas federais que já estão em construção. Quando alcançar a dimensão prevista, essa rede deve absorver cerca de 10% do universo de matrículas da escola média. Muito mais, portanto, do que projeto piloto, para poder surtir efeito transformador. Muito menos, porém, do que o universo total das matrículas da escola média, para reforçar, em vez de substituir, o esforço dos Estados, aos quais cabe, nesse campo, a responsabilidade principal.
São três os objetivos do projeto. Deles resultam as diretrizes que o devem pautar. O primeiro é consertar o elo fraco do nosso sistema escolar: o ensino médio. Recentemente, houve parada e, em alguns momentos, até queda no número de alunos matriculados no ensino médio. É preciso fazer mais do que os Estados fazem agora.
O segundo objetivo é aproveitar a escola média como lugar privilegiado para mudar o paradigma pedagógico dominante no ensino brasileiro. A tarefa é ultrapassar o ensino enciclopédico e informativo sem cair em modismos pedagógicos. O foco deve ser em capacitações básicas: nos métodos de análise verbal e numérica e no uso criterioso da informação. O aprofundamento seletivo é, para isso, mais útil do que a superficialidade abrangente. E o requisito para que essa mudança se efetue é a formação do professorado. O magistério deve ser organizado, com a ajuda do governo federal, como carreira nacional.
E contar com oportunidades de atualização ao longo da carreira. O terceiro objetivo é inovar na prática do ensino técnico e profissional.
Não basta oferecer ensino tradicional de ofícios rigidamente especializados. Esse é um modelo de aprendizagem vocacional que está em crise em países como a Alemanha, que nele tradicionalmente se distinguiram. Não basta por razões práticas. O trabalhador do futuro precisa dominar conjunto de capacitações conceituais e práticas genéricas. Não basta por razões políticas. Não queremos contraste entre ensino generalista para as elites e ensino especialista para as massas.
Nossa segunda iniciativa tem a ver com problema fundamental do nosso ensino, com analogias em todos os setores da política social: como reconciliar a gestão local das escolas com padrões nacionais de investimento e de qualidade. A qualidade do ensino que uma criança recebe não deve depender do acaso do lugar onde ela nasce.
Para que se reconciliem esses dois imperativos, precisamos de três instrumentos. No primeiro -sistema nacional de monitoramento e avaliação-, já avançamos com a Prova Brasil e o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). No segundo -mecanismo para redistribuir recursos e quadros dos lugares mais ricos para os mais pobres-, começamos, com o Fundeb, a avançar. Porém, no terceiro -um procedimento de reparação quando, apesar de todos os esforços, uma rede escolar local não consiga atingir patamar mínimo-, demos apenas um primeiro passo, com os Planos de Ações Articuladas, previstos no Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), que torna realidade o regime de colaboração.
Resta perguntar o que se deve fazer se, apesar dos esforços conjuntos, alguns municípios não conseguirem oferecer ensino respeitando patamar mínimo de qualidade. É preciso pensar formas mais complexas de associação entre os governos federal, estaduais e municipais, em órgãos conjuntos que possam vir em socorro de qualquer rede escolar local em dificuldades. Não se trata de fazer com que um governo usurpe poderes de outro. Mas de seguir o caminho de flexibilização do federalismo que caracteriza as democracias federativas contemporâneas mais desenvolvidas.
São iniciativas destinadas a emancipar o povo brasileiro. Precisam ser debatidas em todo o país, para que se corrijam seus defeitos e se aproveite seu potencial. Nosso país fervilha de energia humana desequipada e dispersa. Só precisa de instrumentos, sobretudo dos instrumentos capacitadores da educação. Lutemos para transformar o espontaneísmo inculto em flexibilidade preparada. É o que de mais importante o povo brasileiro pode hoje fazer para si mesmo.


FERNANDO HADDAD , 45, advogado, mestre em economia, doutor em filosofia, é ministro da Educação.
ROBERTO MANGABEIRA UNGER, 60, professor titular da Faculdade de Direito da Universidade Harvard (licenciado), é ministro extraordinário de Assuntos Estratégicos e ex-colunista da Folha.

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