São Paulo, quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Redirecionamento de expectativas

HAROLDO GUIMARÃES BRASIL

O protecionismo não é causa, mas consequência do cenário atual da economia. Discursar e agir contra ele é dar tiro no lugar errado

REPRESENTANTES de países que usufruíram de bom desempenho da balança comercial nos últimos anos estão questionando atualmente as ações protecionistas de nações parceiras.
O governo brasileiro tem reclamado do da Argentina, com suas barreiras burocráticas, e parece acreditar que o recém-lançado pacote do presidente Barack Obama projete protecionismo explícito.
Temos a impressão de que a OMC (Organização Mundial do Comércio) deverá trabalhar muito nos próximos meses, em razão de processos entrantes de países exportadores de commodities, como o Brasil. A OMC fará o papel de "muro das lamentações" e, muito provavelmente, o resultado final deverá ser pouco efetivo.
Em ambiente de forte crise, a onda de protecionismo atual é inevitável e não deve ser o foco principal de combate das autoridades. Essa onda faz parte do escopo competitivo de pessoas, empresas e nações em condições econômicas desfavoráveis. Vamos descrever o comportamento desses três agentes em ambiente de pouco movimento econômico.
Uma pessoa que ganha a vida atuando numa organização, tende a incorporar o risco de perda do emprego ao seu processo de decisão de gasto. No seu orçamento, os itens de gastos são monitorados com mais afinco e algumas atividades que contrata de terceiros são evitadas ou executadas por ela mesma.
Algumas compras deixam de ser feitas até que seja alterada sua expectativa com relação ao futuro da economia. Os prestadores de serviço sofrem com essa revisão orçamentária das pessoas (protecionismo) e tentam passar para trás (fornecedores) essa mesma atitude.
Em contexto de crise as empresas mais fortes desovam estoques, reduzem a utilização da capacidade de produção e internalizam algumas atividades que anteriormente eram terceirizadas, utilizando o pessoal já existente e promovendo certo "job enrichment". Tentam comprar insumos com prazos mais alongados e preços mais baixos, além de vender seus produtos a prazos mais curtos e em melhores condições.
Esse posicionamento protecionista inevitável ocorre visando proteger a liquidez do negócio. Essa liquidez deverá servir de escudo de proteção em face dos compromissos futuros.
As empresas mais fracas perdem vendas, devem vender a prazos mais longos e a preços menores; geralmente lidam com estoques mais altos de produtos acabados, em razão da queda das vendas. Ocorre, portanto, o desenho de maior assimetria financeira entre empresas fracas e fortes. As primeiras, obviamente, reclamando do protecionismo das outras.
Os bancos também são bastante protecionistas durante a crise. Há racionamento de crédito via redução de oferta de recursos e/ou via aumento do "spread" bancário. As empresas mais sólidas buscam evitar o crédito caro. As empresas com problemas de fluxo de caixa demandam esse crédito mais oneroso, por falta de opção de financiamento.
O "mix" de clientes das instituições financeiras, ficando fragilizado com a preponderância de empresas de "rating" de baixa qualidade, faz com que o protecionismo se intensifique, ocorrendo racionamento ainda maior do crédito.
Esse processo stiglitzsiano está visível hoje. A assimetria financeira advinda do protecionismo oriundo da crise ocorre também entre países, visando manter a saúde do balanço de pagamentos.
Países compradores do passado promovem substituição de parte de sua pauta, via incentivos fiscais e legais ou via pacotes emergenciais.
Países exportadores de itens de baixo valor agregado perdem divisas com isso. Se a crise é muito grave, esse protecionismo alastra para embates xenofóbicos preocupantes de cunho racial e religioso. A evidência da xenofobia deve ser combatida com veemência pelas pessoas e pelos representantes de quaisquer países.
Desde o advento da moeda, vivemos na economia da expectativa. O protecionismo não é causa, mas, sim, consequência das condições econômicas atuais. Discursar e agir contra o protecionismo do plano de Obama é dar tiro no lugar errado.
Devemos lutar para que os pacotes governamentais surtam resultados econômicos e redirecionem expectativas. Ocorrendo essa reversão, as pessoas comprarão mais, as empresas venderão mais e o comércio internacional voltará a funcionar de forma saudável. Nesse sentido, torcemos para que o plano de Obama, o PAC e os movimentos dos governos europeus surtam efeito o quanto antes.
A OMC cumprirá papel relevante se atuar nessa frente de expectativas e deixar de lado as picuinhas comerciais entre os países. Após o término da crise, poderá se voltar para as discussões caso a caso.

HAROLDO GUIMARÃES BRASIL , 46, engenheiro eletricista, mestre em administração pela UFMG e doutor em economia pela UFRJ, é professor de finanças do Ibmec e da Fundação Dom Cabral. É autor, entre outros livros, de "Avaliação Moderna de Investimentos"


Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br


Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Luiz Roberto Barradas Barata: Sintonia na saúde

Próximo Texto: Painel do Leitor
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.