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TENDÊNCIAS/DEBATES
Redirecionamento de expectativas
HAROLDO GUIMARÃES BRASIL
O protecionismo não é causa, mas consequência do cenário atual da economia. Discursar e agir contra ele
é dar tiro no lugar errado
REPRESENTANTES de países que
usufruíram de bom desempenho da balança comercial nos
últimos anos estão questionando
atualmente as ações protecionistas de
nações parceiras.
O governo brasileiro tem reclamado do da Argentina,
com suas barreiras burocráticas, e parece acreditar que o recém-lançado
pacote do presidente Barack Obama
projete protecionismo explícito.
Temos a impressão de que a OMC
(Organização Mundial do Comércio)
deverá trabalhar muito nos próximos
meses, em razão de processos entrantes de países exportadores de commodities, como o Brasil. A OMC fará o
papel de "muro das lamentações" e,
muito provavelmente, o resultado final deverá ser pouco efetivo.
Em ambiente de forte crise, a onda
de protecionismo atual é inevitável e
não deve ser o foco principal de combate das autoridades. Essa onda faz
parte do escopo competitivo de pessoas, empresas e nações em condições econômicas desfavoráveis.
Vamos descrever o comportamento desses três agentes em ambiente de
pouco movimento econômico.
Uma
pessoa que ganha a vida atuando numa organização, tende a incorporar o
risco de perda do emprego ao seu processo de decisão de gasto.
No seu orçamento, os itens de gastos são monitorados com mais afinco
e algumas atividades que contrata de
terceiros são evitadas ou executadas
por ela mesma.
Algumas compras deixam de ser feitas até que seja alterada
sua expectativa com relação ao futuro
da economia. Os prestadores de serviço sofrem com essa revisão orçamentária das pessoas (protecionismo) e
tentam passar para trás (fornecedores) essa mesma atitude.
Em contexto de crise as empresas
mais fortes desovam estoques, reduzem a utilização da capacidade de
produção e internalizam algumas atividades que anteriormente eram terceirizadas, utilizando o pessoal já
existente e promovendo certo "job
enrichment". Tentam comprar insumos com prazos mais alongados e
preços mais baixos, além de vender
seus produtos a prazos mais curtos
e em melhores condições.
Esse posicionamento protecionista inevitável
ocorre visando proteger a liquidez
do negócio. Essa liquidez deverá servir de escudo de proteção em face
dos compromissos futuros.
As empresas mais fracas perdem
vendas, devem vender a prazos mais
longos e a preços menores; geralmente lidam com estoques mais altos de
produtos acabados, em razão da queda das vendas. Ocorre, portanto, o
desenho de maior assimetria financeira entre empresas fracas e fortes.
As primeiras, obviamente, reclamando do protecionismo das outras.
Os bancos também são bastante
protecionistas durante a crise. Há racionamento de crédito via redução de
oferta de recursos e/ou via aumento
do "spread" bancário. As empresas
mais sólidas buscam evitar o crédito
caro. As empresas com problemas de
fluxo de caixa demandam esse crédito
mais oneroso, por falta de opção de financiamento.
O "mix" de clientes das
instituições financeiras, ficando fragilizado com a preponderância de
empresas de "rating" de baixa qualidade, faz com que o protecionismo se
intensifique, ocorrendo racionamento ainda maior do crédito.
Esse processo stiglitzsiano está visível hoje.
A assimetria financeira advinda do
protecionismo oriundo da crise ocorre também entre países, visando
manter a saúde do balanço de pagamentos.
Países compradores do passado promovem substituição de parte
de sua pauta, via incentivos fiscais e
legais ou via pacotes emergenciais.
Países exportadores de itens de baixo valor agregado perdem divisas com
isso. Se a crise é muito grave, esse protecionismo alastra para embates xenofóbicos preocupantes de cunho racial e religioso. A evidência da xenofobia deve ser combatida com veemência pelas pessoas e pelos representantes de quaisquer países.
Desde o advento da moeda, vivemos na economia da expectativa. O
protecionismo não é causa, mas, sim,
consequência das condições econômicas atuais. Discursar e agir contra o
protecionismo do plano de Obama é
dar tiro no lugar errado.
Devemos
lutar para que os pacotes governamentais surtam resultados econômicos e redirecionem expectativas.
Ocorrendo essa reversão, as pessoas comprarão mais, as empresas
venderão mais e o comércio internacional voltará a funcionar de forma
saudável. Nesse sentido, torcemos
para que o plano de Obama, o PAC e
os movimentos dos governos europeus surtam efeito o quanto antes.
A OMC cumprirá papel relevante se
atuar nessa frente de expectativas e
deixar de lado as picuinhas comerciais entre os países. Após o término
da crise, poderá se voltar para as
discussões caso a caso.
HAROLDO GUIMARÃES BRASIL , 46, engenheiro eletricista, mestre em administração pela UFMG e doutor em
economia pela UFRJ, é professor de finanças do Ibmec e
da Fundação Dom Cabral. É autor, entre outros livros, de
"Avaliação Moderna de Investimentos"
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