São Paulo, quinta-feira, 18 de março de 2004

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ELIANE CANTANHÊDE

Namorando o perigo

BRASÍLIA - O presidente da República, o primeiro-ministro e o homem forte da economia não podem mais abrir a boca. Responder a perguntas, então, nem se fala.
O próprio Lula entrou pelos fundos do hotel Copacabana Palace e, no dia seguinte, saiu escoltado de ministros, diplomatas, assessores e seguranças para não ouvir manifestações nem perguntas desagradáveis. Entrou e saiu calado do encontro com Néstor Kirchner -que, aliás, deu entrevista para os jornalistas argentinos.
Na comitiva de Lula porta afora do Copacabana, um constrangido Palocci limitou-se a dar um riso amarelo ao igualmente sair de fininho sem falar nada. Enquanto os ministros argentinos circulavam entre os jornalistas, falando à vontade.
São efeitos da crise. Ou melhor: da fita que flagrou Waldomiro Diniz pedindo grana a um bicheiro e da suspeita de que o mesmo Waldomiro meteu Rogério Buratti numa renovação de contrato da CEF. Waldomiro era braço direito de Dirceu. Buratti, demitido por Palocci em 94 por causa de mutretas, continuou prestando serviços não só para a Prefeitura de Ribeirão Preto como para outras do PT. E surge agora numa triangulação como essa, já no governo Lula.
Cada vez que Lula, Dirceu e Palocci se aproximarem de jornalistas -pode ser em encontro com Kirchner, reunião de agricultores ou concurso de miss-, eles não vão escapar da maldade dos microfones: "E o Waldomiro?", "e o Buratti?".
Se tentam se limitar a discursos políticos, correm o risco de pensar alto demais, de abrir a alma e de destilar raiva. Talvez tenha sido o caso de Dirceu, que aproveitou uma reunião com prefeitos na terça para fazer um discurso inflamado, indignado e, de certa forma, ameaçador.
Dirceu acusou a oposição de "namorar o perigo". Sinto muito, mas quem anda namorando o perigo são o próprio Dirceu e, aparentemente, Palocci. Até por isso, aliás, nem o presidente nem os ministros podem dar entrevistas. As perguntas, todo mundo sabe quais são. E as respostas?


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