São Paulo, quinta-feira, 18 de março de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

O prazer dos deuses

RIO DE JANEIRO - Durante os 24 anos de sua existência, o PT contou com o apoio de intelectuais, artistas e mídia, sem falar, é claro, na adesão progressiva e fanática de imensas parcelas das classes média e baixa da sociedade brasileira.
Assumindo o figurino de vestal, o partido habituou-se a proclamar suas qualidades, atribuindo-se o monopólio da moral e da compostura.
Na oposição, era relativamente fácil manter a imagem que o próprio partido criou para si. No entanto, desde o início, a sua trajetória teve incidentes não apenas duvidosos, mas moralmente reprováveis. Roubos de caixa, delações, patrulhamentos, o elenco tradicional de qualquer partido, de qualquer instituição humana. Até mesmo crimes de morte.
Daí a perplexidade do PT diante das cobranças da própria mídia, que tanto o incensou no passado, e de grande parte de seus membros, desiludidos com os rumos do partido no poder.
Volta e meia, ouve-se a queixa de um dos cardeais petistas na base do "até tu, Brutus?", estranhando a crítica ou a condenação de um aliado, de um simpatizante, inconformado com a nova face do PT, em tudo semelhante aos demais partidos que eram acusados de pilantragem, fisiologismo e demagogia.
Em sua versão atual, o PT se expressava na arena política, econômica e administrativa pela "troika" formada por Lula, Dirceu e Palocci. Os últimos acontecimentos pegaram Dirceu e sobraram um pouco para Palocci. Lula continua resguardado, mas está pagando e pagará um preço cada vez mais alto pela redoma criada em torno dele.
O eixo do poder político passou para Sarney, tarimbado na vida pública, que também pagou o preço do apoio de Ulysses Guimarães em seu período presidencial. Não se trata de uma vingança, prazer dos deuses, mas das circunstâncias criadas pelo destino.
Há um pouco de ironia nisso tudo, mas a política não deixa de ser uma farsa levada a sério. E ninguém como Sarney sabe disso.


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