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Caderneta em disputa
Em vez de ceder de novo aos bancos, governo deveria mudar poupança no intuito de defender os pequenos aplicadores
HERANÇA dos tempos de
inflação alta e economia fechada, a caderneta de poupança é
um dos anacronismos que ainda
estão à espera de modernização.
Pensada para incentivar e proteger o pequeno poupador, de um
lado, e para financiar o mercado
imobiliário, de outro, o mecanismo hoje mal cumpre seus objetivos -na verdade os atravanca.
A poupança não é, como diz o
mito, a única aplicação a contar
com garantia do governo. Títulos
públicos, que lastreiam uma miríade de fundos de investimento
-para não falar da opção, disponível a qualquer cidadão, de
comprar diretamente papéis do
Tesouro-, também a possuem.
Desde que acabou a inflação alta e juros básicos galopantes entraram em cena, ficou claro o
mau negócio de aplicar na caderneta. Quem há três anos depositou R$ 100 na poupança dispõe
hoje de R$ 125. Não é difícil encontrar fundos lastreados em papéis do Tesouro que tenham rendido um terço a mais no período.
Não é moderno, tampouco justo, um sistema que induz pequenos poupadores, pessoas em geral de baixa renda, com pouco
acesso a informações financeiras, a uma descapitalização relativa desse porte -que já foi muito maior no passado. A suprema
ironia, contudo, é que as pressões para mudar as regras da caderneta surjam sempre que esta
modalidade de poupança começa a ficar atraente, como agora.
As pressões vêm dos bancos e
permeiam a área financeira do
governo federal. Os primeiros temem um impacto na indústria
de fundos -sujeita aos juros flutuantes do mercado, ora em queda-, com o desvio de recursos
para a poupança, que paga juros
fixos de 6% ao ano mais a variação de uma taxa, a TR.
Quando o dinheiro do depositante entra pela caderneta, 65%
do montante tem de ser obrigatoriamente aplicado, pelo banco,
no mercado imobiliário, pelas
regras do Sistema Financeiro da
Habitação. Quando entra pelos
outros fundos, está livre da obrigatoriedade e sujeito às escorchantes taxas de administração
cobradas pelos bancos -um dos
fatores que asseguram os vultosos lucros dessas instituições.
Em vez de baixar suas taxas de
administração para manter os
fundos atraentes, os bancos preferem, é claro, pressionar o governo para que diminua o rendimento da poupança. O lobby já
deu certo uma vez -no início de
2007, quando os juros básicos,
em baixa, ameaçavam os fundos.
Agora, com as projeções para a
Selic apontando recordes de
queda, redobram-se os esforços.
Seria lamentável se o governo
optasse, novamente, por reservar à parte mais vulnerável dos
poupadores o ônus da mudança.
Uma reforma para valer na caderneta deveria permitir que os
pequenos poupadores partilhassem também dos ganhos hoje
quase exclusivos de aplicadores
mais ricos e informados.
Não será possível implementar
essa modernização, obviamente,
sem alterar as regras do financiamento imobiliário.
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