São Paulo, quarta, 18 de março de 1998

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Boneco de ventríloquo

ANTONIO DELFIM NETTO

O escritor inglês de origem americana, Logan Pearsall Smith, fez um de seus personagens lamentar-se: "Como é aborrecido acordar toda a manhã sendo sempre a mesma pessoa. Eu gostaria de ser resoluto, enfático, ter grossas sobrancelhas e ser portador de uma grande mensagem para o nosso tempo. Eu queria ser ou um grande pensador, ou um grande ventríloquo".
Imaginem a frustração de alguns comentaristas econômicos que amanhecem sempre a mesma pessoa e ainda têm a obrigação de ser bonecos de ventríloquos de pequenos pensadores! As "autoridades" manipulam constantemente gorados analistas para transmitirem tolices que não ousariam expressar diretamente. A questão do câmbio real, por exemplo, é complicada e sujeita a muita controvérsia. O problema é que todos, ventríloquos ou pensadores, pequenos ou grandes, deveriam saber a essa altura que o chamado equilíbrio macroeconômico (aquele sustentado pelos famosos "fundamentais") significa o equilíbrio interno e externo no curto prazo e a garantia da possibilidade de crescimento econômico compatível com a disponibilidade de fatores no longo prazo.
O equilíbrio interno se define: 1) Uma taxa de inflação aceitável, parecida com a dos parceiros internacionais; 2) A menor taxa de desemprego possível, compatível com aquela taxa de inflação; 3) Taxas de juros reais parecidas com a dos mesmos parceiros. Por sua vez, o equilíbrio externo se define por um grau aceitável de déficit em conta corrente (satisfeitas as condições acima). É claro que o balanço em conta corrente pode ser positivo ou negativo. Ele tem de ser julgado à luz de dois princípios: 1) O que se faz com ele, se é consumido ou investido e 2) Se ele é sustentável no longo prazo (dentro das condições enumeradas acima). A taxa de câmbio real de equilíbrio é a que, juntamente com as políticas monetárias, fiscal e microeconômica adequadas, garante o equilíbrio interno e o equilíbrio externo.
Nenhuma taxa de câmbio real desvalorizada (com relação à de equilíbrio) pode produzir o equilíbrio interno e externo. Ela pode, em situação particular, forçar a transferência de fatores para o setor exportador, mas com perniciosos efeitos alocativos no longo prazo. Não há, também, nenhuma possibilidade de que uma taxa de câmbio real sobrevalorizada possa produzir o equilíbrio: ela também produz efeitos deletérios sobre a estrutura produtiva e sobre o nível de emprego. O crescimento de longo prazo da economia não depende da sub ou sobrevalorização da taxa de câmbio, mas do aumento da produtividade do trabalho, produto da competição externa gerada pela abertura comercial e pela evolução das relações de troca.
É difícil determinar qual o câmbio real de equilíbrio, mas é fácil saber que nossa taxa de câmbio real está sobrevalorizada, por seus efeitos devastadores sobre a economia nacional: 1) Temos a menor taxa de crescimento latino-americana; 2) Temos um alto nível de desemprego; 3) Temos a maior taxa de juro real do mundo; 4) Temos um desequilíbrio insustentável em conta corrente, mesmo quando o PIB cresce uns míseros 3%.
Nem ventríloquos nem bonecos podem tranquilizar-se: não há grandes pensadores atrás deles.


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.



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