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Boneco de ventríloquo
ANTONIO DELFIM NETTO
O escritor inglês de origem americana, Logan Pearsall Smith, fez um de
seus personagens lamentar-se: "Como
é aborrecido acordar toda a manhã
sendo sempre a mesma pessoa. Eu gostaria de ser resoluto, enfático, ter grossas sobrancelhas e ser portador de uma
grande mensagem para o nosso tempo.
Eu queria ser ou um grande pensador,
ou um grande ventríloquo".
Imaginem a frustração de alguns comentaristas econômicos que amanhecem sempre a mesma pessoa e ainda
têm a obrigação de ser bonecos de ventríloquos de pequenos pensadores! As
"autoridades" manipulam constantemente gorados analistas para transmitirem tolices que não ousariam expressar diretamente. A questão do câmbio
real, por exemplo, é complicada e sujeita a muita controvérsia. O problema
é que todos, ventríloquos ou pensadores, pequenos ou grandes, deveriam
saber a essa altura que o chamado
equilíbrio macroeconômico (aquele
sustentado pelos famosos "fundamentais") significa o equilíbrio interno e
externo no curto prazo e a garantia da
possibilidade de crescimento econômico compatível com a disponibilidade
de fatores no longo prazo.
O equilíbrio interno se define: 1)
Uma taxa de inflação aceitável, parecida com a dos parceiros internacionais;
2) A menor taxa de desemprego possível, compatível com aquela taxa de inflação; 3) Taxas de juros reais parecidas com a dos mesmos parceiros. Por
sua vez, o equilíbrio externo se define
por um grau aceitável de déficit em
conta corrente (satisfeitas as condições
acima). É claro que o balanço em conta
corrente pode ser positivo ou negativo.
Ele tem de ser julgado à luz de dois
princípios: 1) O que se faz com ele, se é
consumido ou investido e 2) Se ele é
sustentável no longo prazo (dentro das
condições enumeradas acima). A taxa
de câmbio real de equilíbrio é a que,
juntamente com as políticas monetárias, fiscal e microeconômica adequadas, garante o equilíbrio interno e o
equilíbrio externo.
Nenhuma taxa de câmbio real desvalorizada (com relação à de equilíbrio)
pode produzir o equilíbrio interno e
externo. Ela pode, em situação particular, forçar a transferência de fatores
para o setor exportador, mas com perniciosos efeitos alocativos no longo
prazo. Não há, também, nenhuma
possibilidade de que uma taxa de câmbio real sobrevalorizada possa produzir o equilíbrio: ela também produz
efeitos deletérios sobre a estrutura produtiva e sobre o nível de emprego. O
crescimento de longo prazo da economia não depende da sub ou sobrevalorização da taxa de câmbio, mas do aumento da produtividade do trabalho,
produto da competição externa gerada
pela abertura comercial e pela evolução das relações de troca.
É difícil determinar qual o câmbio
real de equilíbrio, mas é fácil saber que
nossa taxa de câmbio real está sobrevalorizada, por seus efeitos devastadores
sobre a economia nacional: 1) Temos a
menor taxa de crescimento latino-americana; 2) Temos um alto nível de
desemprego; 3) Temos a maior taxa de
juro real do mundo; 4) Temos um desequilíbrio insustentável em conta corrente, mesmo quando o PIB cresce uns
míseros 3%.
Nem ventríloquos nem bonecos podem tranquilizar-se: não há grandes
pensadores atrás deles.
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta
coluna.
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