São Paulo, quarta, 18 de março de 1998

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Prioridade à graduação


O MEC está aberto a qualquer sugestão para aprimorar o programa. Mas não posso aceitar sua rejeição "in limine"
PAULO RENATO SOUZA

Um dos aspectos mais positivos do desenvolvimento educacional no país nas três últimas décadas foi a criação e a expansão do sistema de pós-graduação, especialmente nas universidades federais. Montou-se amplo sistema de estímulos, baseado em bolsas de estudo para alunos, bolsas de pesquisa para os professores, taxas acadêmicas para os cursos, avaliação dos programas, apoio financeiro institucional pelas agências de fomento, contratos com estatais etc.
Como consequência, temos hoje o melhor sistema de pós-graduação entre os países em desenvolvimento, com uma contribuição realmente expressiva para o progresso econômico e social.
Porém a graduação foi claramente relegada a segundo plano, sem investimentos consistentes em laboratórios ou estímulos para que os professores mais qualificados dedicassem parte de seu tempo aos cursos desse nível.
Estes, especialmente nas séries iniciais, são confiados a professores novatos, que, apesar da dedicação, não têm ainda a experiência e o conhecimento dos mestres e doutores. Trata-se de uma grave distorção, que compromete uma das funções mais nobres da universidade pública, ou seja, a formação básica de nossos futuros profissionais.
Desde o início do governo Fernando Henrique, o Ministério da Educação procura enfrentar essa difícil questão, outorgando prioridade à graduação. Isso não significa, contudo, desatenção à pós-graduação. Ao contrário, o número de bolsas de mestrado e doutorado concedidas pela Capes vem crescendo ano após ano -inclusive em 1998, apesar das restrições orçamentárias, sendo hoje 44% superior ao de 1994 nas bolsas de mestrado e 12% nas de doutorado.
Primeiro, o governo aumentou significativamente o aporte de recursos do Tesouro para o custeio das universidades federais, compensando as dificuldades decorrentes da perda das chamadas "receitas próprias", advindas de aplicações financeiras que rendiam somas importantes no auge do processo inflacionário anterior a 1994.
A preços de 1997, o volume de recursos do Tesouro cresceu de R$ 419 milhões em 1994 para R$ 692 milhões em 1997. Esses recursos se destinam a garantir o funcionamento básico da universidade, ou seja, principalmente suas atividades de ensino de graduação.
Em segundo lugar, criamos o sistema de avaliação da graduação, que hoje contempla um complexo sistema de indicadores -o Exame Nacional de Cursos é só a parte mais visível. São inegáveis os benefícios que essa avaliação já produz no sistema universitário.
Em terceiro lugar, procurou o governo garantir investimentos em recursos didáticos para programas de graduação. Investiram-se somas importantes em bibliotecas e na construção de infra-estrutura de redes de informação.
Mais importante: desde 1995, o MEC trabalha com as universidades na montagem do maior programa até hoje realizado de investimento em laboratórios de graduação. Ele envolverá US$ 300 milhões, sendo US$ 100 milhões para hospitais universitários e US$ 200 milhões para as demais áreas, desde a engenharia até as ciências humanas.
As universidades se candidatam à participação no programa mediante a apresentação de projetos de desenvolvimento institucional, que necessariamente têm de contemplar a expansão e a melhoria dos cursos de graduação.
A especificação técnica dos equipamentos a ser adquiridos foi feita com ampla consulta às universidades e participação de cerca de 60 professores e técnicos. Foi elaborada uma lista contendo mais de 1.700 itens, agregados em 50 grupos. Mais de 70 mil equipamentos estão sendo adquiridos, por meio de cinco licitações internacionais.
Nestas semanas começaram a ser abertos os envelopes com as propostas das licitantes, nos quais já se pode comprovar a forte participação das mais prestigiosas empresas nacionais e internacionais. Acreditamos, assim, que o que há de melhor no mundo estará à disposição de nossos alunos de graduação. Esperamos concluir esse processo até o início do segundo semestre.
Recursos materiais são importantes, mas não suficientes. Era preciso estimular os melhores professores, para que se envolvessem com a graduação. Essa foi a quarta parte da estratégia do governo: instituir o Programa de Incentivo à Docência na Graduação.
Por ele, professores titulados (doutores, mestres ou especialistas) que ministrarem pelo menos seis horas de aula/semana na graduação podem fazer jus a uma bolsa que representa algo entre 42% e 48% do salário básico mensal, dependendo de seu nível na carreira.
A fim de respeitar a vocação e as diretrizes das universidades, não quis o governo outorgar diretamente as bolsas, como faz no caso da pesquisa, preferindo fixar regras básicas e deixando que cada universidade decidisse a forma de implementar o programa. A expectativa do MEC é que ele também seja associado a projetos de melhoria e expansão dos cursos de graduação.
É inegável que o programa, além de seus méritos específicos, tem impacto bastante positivo na remuneração dos professores. É importante esclarecer, contudo, que ele não pretende ser uma compensação salarial para todos, e sim um estímulo aos docentes qualificados para que dediquem maior parcela de seu trabalho acadêmico à graduação.
Independentemente de reconhecermos problemas reais de defasagem em segmentos de funcionários e professores das universidades, uma revisão salarial linear não está no horizonte das ações imediatas do governo, tanto pelas severas restrições fiscais a que estamos submetidos (de conhecimento geral) quanto pela indefinição sobre as consequências concretas de algumas decisões judiciais relativas à matéria -que, aliás, foge do âmbito de competência do Ministério da Educação.
Causou-me surpresa a reação negativa de alguns reitores, conselhos e entidades de professores, simplesmente rejeitando o programa. No caso da pós-graduação e das bolsas de pesquisa para o trabalho acadêmico fora da graduação, não me recordo de reações negativas à sua instituição ou expansão, apesar de a interferência governamental nos programas acadêmicos ser ainda mais direta. Por que reagir contra um programa que busca estimular a graduação e dá ampla liberdade às universidades em sua implementação?
Como tenho dito aos reitores, o MEC está aberto a qualquer sugestão que busque aprimorar o programa, inclusive em sua dimensão. Mas não posso aceitar sua rejeição "in limine". Como responsável pela condução da educação no país, tenho consciência de sua relevância e não abrirei mão de sua implementação, para aprimorar um aspecto relegado em nossas universidades federais: os cursos de graduação.

Paulo Renato Souza, 52, economista, é ministro da Educação e do Desporto. Foi reitor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) de 1986 a 90 e secretário de Educação do Estado de São Paulo (governo Montoro).



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