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O país do suplício
VINICIUS MOTA
São Paulo - No início deste século,
um psiquiatra austríaco inventou
uma revolucionária técnica para tratar de doidos. A malarioterapia consistia em inocular no alienado o protozoário causador da doença. Os alienistas brasileiros gostaram tanto da idéia
que, além de aplicá-la nos nossos loucos, trataram de inovar no campo.
Franco da Rocha, que criou o sombrio
Juquery há uns cem anos, descobriu a
traumaterapia. Isso mesmo. Umas
porretadas nos mais furiosos eram tiro
e queda. Ficavam calminhos.
Quem se interessa pelo assunto, tendo preparado o estômago, pode ler um
ótimo relato em "O Espelho do Mundo", livro da historiadora Maria Clementina Pereira Cunha.
Aos que não têm tanto tempo, basta
ter aberto a Folha no fim-de-semana.
A Febem paulista parece ter inventado a "sarnaterapia". Segundo a Secretaria de Estado da Saúde, oito em cada dez internos abrigados provisoriamente no cadeião de Pinheiros têm
sarna. Talvez um adepto da pedagogia do suplício julgue que a coceira intensa mantenha as mãos dos adolescentes ocupadas "com coisa melhor".
O pacote terapêutico em algumas
unidades da Febem de São Paulo inclui ainda péssimas condições de higiene, espancamento e banho frio.
Esse e outros sistemas de suplício
continuado funcionam a todo vapor
no país. Talvez por isso sejam encaradas como chacota idéias de racionalizar a aplicação das penas, como defendeu o ex-ministro José Carlos Dias.
A tortura de suspeitos campeia em
delegacias. Ainda é método de investigação, embora o tema já não sensibilize tanto a classe média dissidente.
E o que dizer da pena de trabalhos
forçados conferida a crianças de 5, 6
anos de idade? Trabalham de sol a sol
em carvoarias e olarias, no corte de
cana-de-açúcar, no sisal. Meninas
pré-adolescentes se prostituem. Milhões são supliciados pela fome.
Miserável o país em que o corpo dos
mais fracos e dos mais pobres é tratado a porretadas terapêuticas.
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