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São Paulo, sexta-feira, 18 de abril de 2003

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JOSÉ SARNEY

Paixão e esperança

O meu espaço de sexta-feira, na Folha, quase sempre me obriga a não fugir do tema da Paixão. Esta é um mistério impenetrável, que pode parecer aos agnósticos e ateus como crença para desavisados. A história de Cristo é tão simples e tão trágica que fica difícil de entender. Qual seria a força de sua permanência ao longo de dois milênios? Ela está precisa, em duas letras, que formam a palavra fé. Está no Evangelho que ela remove montanhas; mais ainda, é a força do entender verdades e mistérios.
Cristo nasce numa manjedoura e morre numa cruz. Não há momento em sua vida que não seja despojado. Toda ela é um cântico ao sacrifício. Tudo isso para nos fazer entender o sentido da vida, suas duas faces, do bem e do mal. Ele ensinou coisas simples que mudaram o mundo: amar ao próximo como a si mesmo; perdoar os inimigos; todos somos irmãos e filhos de Deus; bem-aventurados os que têm sede de justiça, os pobres, os escravos.
Uma das passagens evangélicas, também de difícil compreensão, é ficar na cruz entre dois ladrões. O padre Antônio Vieira, sempre autoridade pelos seus inúmeros sermões da quaresma, pregando na Capela Real do Paço, em frente ao rei, extrai a lição que proclama com coragem: "Nem os reis podem ir ao paraíso sem levar consigo os ladrões, nem os ladrões podem ir ao inferno sem levar consigo os reis". Não esqueçamos o título da cruz: "Jesus de Nazaré, rei dos judeus".
Permanente matéria de meditação. A nossa crença, a nossa fé, a nossa vida. Crer sem indagar certezas, manter viva a fé e fortificá-la num mundo rodeado de injustiças. Como julgar nossa vida, a graça da vida e as contas que temos de dar sobre ela, a Deus e a nós mesmos? Raíssa, mulher do grande filósofo cristão Jacques Maritain, contando, em "As grandes amizades", das conversões dela, do marido, de George Roualt e de outros amigos reunidos em torno de Péguy e Léon Bloy -que não eram possuídos pelas mesmas dúvidas-, diz que perguntou o que era verdadeiramente a fé. O confessor respondeu que a fé não é a ausência de dúvida, e sim o desejo de acreditar.
Esta semana da Paixão coincide com um tempo de grande desamor entre os homens. As cenas que invadem o nosso cotidiano são terríveis, agora acrescidas, na violência de Estado -e a morte na cruz é a morte pelo Estado-, de novas formas sofisticadas e científicas.
Ressurge, em meio a toda a espontaneidade de uma opinião pública pela paz, a figura extraordinária de um homem velho, doente e acabrunhado, com a força maior de todas as forças, a força moral: o papa.
E de onde vem essa força que atravessa o tempo, impérios, nações, guerras e senhores? Vem do significado da Paixão. A força dos ensinamentos cristãos.
Ser cristão é, sobretudo, ter esperança. O cristianismo é todo ele concentrado na esperança. Ela está inscrita no mistério da Paixão: a ressurreição.
São Paulo -quantas vezes devemos lembrar?- diz que, sem ressurreição, não há cristianismo. A certeza da ressurreição é a grande fonte e marca da esperança.


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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