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JOSÉ SARNEY
Paixão e esperança
O meu espaço de sexta-feira, na
Folha, quase sempre me obriga a
não fugir do tema da Paixão. Esta é
um mistério impenetrável, que pode
parecer aos agnósticos e ateus como
crença para desavisados. A história de
Cristo é tão simples e tão trágica que
fica difícil de entender. Qual seria a
força de sua permanência ao longo de
dois milênios? Ela está precisa, em
duas letras, que formam a palavra fé.
Está no Evangelho que ela remove
montanhas; mais ainda, é a força do
entender verdades e mistérios.
Cristo nasce numa manjedoura e
morre numa cruz. Não há momento
em sua vida que não seja despojado.
Toda ela é um cântico ao sacrifício.
Tudo isso para nos fazer entender o
sentido da vida, suas duas faces, do
bem e do mal. Ele ensinou coisas simples que mudaram o mundo: amar ao
próximo como a si mesmo; perdoar
os inimigos; todos somos irmãos e filhos de Deus; bem-aventurados os
que têm sede de justiça, os pobres, os
escravos.
Uma das passagens evangélicas,
também de difícil compreensão, é ficar na cruz entre dois ladrões. O padre
Antônio Vieira, sempre autoridade
pelos seus inúmeros sermões da quaresma, pregando na Capela Real do
Paço, em frente ao rei, extrai a lição
que proclama com coragem: "Nem os
reis podem ir ao paraíso sem levar
consigo os ladrões, nem os ladrões
podem ir ao inferno sem levar consigo os reis". Não esqueçamos o título
da cruz: "Jesus de Nazaré, rei dos judeus".
Permanente matéria de meditação.
A nossa crença, a nossa fé, a nossa vida. Crer sem indagar certezas, manter
viva a fé e fortificá-la num mundo rodeado de injustiças. Como julgar nossa vida, a graça da vida e as contas que
temos de dar sobre ela, a Deus e a nós
mesmos? Raíssa, mulher do grande filósofo cristão Jacques Maritain, contando, em "As grandes amizades",
das conversões dela, do marido, de
George Roualt e de outros amigos
reunidos em torno de Péguy e Léon
Bloy -que não eram possuídos pelas
mesmas dúvidas-, diz que perguntou o que era verdadeiramente a fé. O
confessor respondeu que a fé não é a
ausência de dúvida, e sim o desejo de
acreditar.
Esta semana da Paixão coincide
com um tempo de grande desamor
entre os homens. As cenas que invadem o nosso cotidiano são terríveis,
agora acrescidas, na violência de Estado -e a morte na cruz é a morte pelo
Estado-, de novas formas sofisticadas e científicas.
Ressurge, em meio a toda a espontaneidade de uma opinião pública pela
paz, a figura extraordinária de um homem velho, doente e acabrunhado,
com a força maior de todas as forças, a
força moral: o papa.
E de onde vem essa força que atravessa o tempo, impérios, nações,
guerras e senhores? Vem do significado da Paixão. A força dos ensinamentos cristãos.
Ser cristão é, sobretudo, ter esperança. O cristianismo é todo ele concentrado na esperança. Ela está inscrita
no mistério da Paixão: a ressurreição.
São Paulo -quantas vezes devemos
lembrar?- diz que, sem ressurreição,
não há cristianismo. A certeza da ressurreição é a grande fonte e marca da
esperança.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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