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São Paulo, sexta-feira, 18 de abril de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A nomeação que não fiz

GERALDO ALCKMIN

Há uma semana circula uma informação falsa que envolve e mancha meu nome. Trata-se da fantasia de que eu teria nomeado um delegado ex-torturador para um cargo de chefia da Polícia Civil de São Paulo.
Isso não é verdade. Não nomeei, não contratei, não promovi. Até porque o citado delegado, que eu não conheço, foi contratado por concurso público há 33 anos e há nove anos continua na mesma função de assistente. Não tem cargo de chefe e apenas responde interinamente por uma área burocrática do departamento onde trabalha.
Ao exigir que eu demita o referido policial, quem tem escrito ou falado sobre o assunto parece desconhecer as regras básicas do serviço público, do direito público e das leis e regulamentos específicos do funcionalismo. Imagina-se que um governador pode nomear ou demitir quem queira. Não é verdade. Há cargos efetivos, como os de delegado de polícia, em que o concurso é a porta de entrada. Demissão só se faz com processo judicial ou administrativo. Aposentadoria, só por vontade própria, ou compulsória, aos 70 anos.
Quem designa a função do delegado, como de qualquer outro funcionário, é seu chefe imediato. No caso, o delegado divisionário do Dipol, que mandou seu subordinado trabalhar em lugar e função compatível com o salário que ganha. Relembro que as regras de contratação e demissão são regidas pelos estatutos do funcionalismo. No caso da Polícia Civil de São Paulo, é a Lei Orgânica da Polícia Civil.


Não seria agora que eu acoitaria, ainda que indiretamente, alguém ligado à repressão e à tortura


Vamos aos fatos. Na ficha funcional do policial em questão consta que ele foi delegado em duas cidades do interior, trabalhou no Dops nos anos da repressão e ficou 12 anos afastado da polícia de São Paulo, trabalhando na Polícia Federal. Quando voltou ao seu local de origem, fê-lo exercendo um direito que qualquer funcionário público tem e que ninguém poderia impedir. E isso aconteceu em 1995, oito anos atrás. Nesse tempo todo, só teve na carreira as promoções que manda a lei, ou seja, pelo critério da antiguidade. Enfim, teve o que lhe deu o "tempo de serviço". E, mesmo com tempo de serviço suficiente, não conseguiu chegar ao topo da carreira, na classe especial, em que o critério exclusivo é o do merecimento.
Pela Lei Orgânica da Polícia Civil, delegados de primeira classe, como é o caso desse, têm de ocupar cargos privativos de sua condição, na hierarquia da polícia. E o que ele ocupa não é cargo de livre provimento pelo governador ou pelo secretário da Segurança.
Acreditar no contrário, além de agredir a verdade, leva a conclusões precipitadas. Demitir o citado policial seria atropelar a lei. Não é possível, já que seu cargo é o de delegado de polícia que ingressou no serviço público por concurso, o resto são funções administrativas e, em alguma delas, é dever do Estado designá-lo, não há outra opção de emprego, como já se sugeriu.
Estranho muito que certas pessoas, mesmo me conhecendo, tenham dado tanto crédito a essa informação falsa que tenta desabonar o meu nome e mais de 30 anos da minha vida pública.
Não tolero nem aceito a tortura. Minha história é suficiente para avalizar a afirmação. Comecei a lutar pelos ideais da democracia e da liberdade nos meus tempos de colegial. Ainda estudante de medicina, com 19 anos, em plena era de chumbo da repressão, candidatei-me e fui eleito vereador em Pindamonhangaba, pelo partido que enfrentava a ditadura. No mesmo partido, nas ruas, na Assembléia Legislativa e na Câmara dos Deputados, continuei combatendo pela redemocratização. Assim, depois de ter me arriscado nessa luta, como milhares de brasileiros, não seria agora que acoitaria, ainda que indiretamente, alguém ligado à repressão e à tortura.

Geraldo Alckmin Filho, 50, médico, é governador do Estado de São Paulo. Foi deputado federal pelo PSDB de São Paulo (1989-94).


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