São Paulo, sexta-feira, 18 de abril de 2003 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES Haverá paz?
GERALDO MAJELLA AGNELO
Sobre as armas de destruição em massa, os padres conciliares pronunciaram o único anátema do Vaticano 2º: "Com o incremento das armas científicas, têm aumentado desmesuradamente o horror e a maldade da guerra. Pois, com o emprego de tais armas, as ações bélicas podem causar enormes e indiscriminadas destruições, que, desse modo, vão muito além dos limites da legítima defesa (...) Toda ação de guerra que tende indiscriminadamente à destruição de cidades inteiras ou vastas regiões e seus habitantes é um crime contra Deus e o próprio homem, que se deve condenar com firmeza e sem hesitação" ("Gaudium et Spes", n. 80). Sem percorrer ulteriores análises, constata-se como aconteceu a passagem da teoria da guerra justa à da legítima defesa; o valor que deve ser defendido não são mais os direitos de cada Estado soberano, mas o bem comum da inteira família humana. Este é um ponto adquirido muito importante (cf. GS, 82): A igreja não teoriza a não-violência absoluta que permanece opção pessoal possível, mas proclama o direito/dever de defesa, sobretudo de populações inermes, de comunidades e Estados vítimas de injustas agressões. Com isso, a liceidade do uso da força fica notavelmente circunscrita e, porém, extensível a formas de "ingerência humanitária". Pio 12 havia excluído o recurso à guerra como instrumento de combate ao comunismo. Paulo 4º pronunciou-se de modo fortemente limitativo sobre o uso da violência "revolucionária" contra poderes opressivos. Mas, sobretudo, desenvolveu-se positivamente o tema da paz, não como simples renúncia à guerra e abstenção da violência, mas como elemento propulsor de direitos. Liberdade, democracia, autêntico desenvolvimento humano e social. Há uma linha coerente de desenvolvimento entre os dois pontificados: desde a "paz, obra da justiça", do papa Paulo 4º, à "paz, obra da solidariedade", do papa João Paulo 2º, particularmente na "Sollicitudo Rei Socialis". São constantes as afirmações sobre a dignidade da pessoa e sobre seus direitos, a procura de valores humanamente e civilmente divisíveis com pessoas e povos de religiões e crenças diversas. Promoveram-se encontros ecumênicos de oração, apelos comuns, numerosas ocasiões de conhecimento e diálogo. Vivemos anos memoráveis da queda de tantos muros, mesmo se nem sempre as pedras caídas tenham servido para construir pontes. A igreja tem contribuído para a reflexão cultural sobre direitos e a democracia, para a afirmação de valores "leigos" de forte raiz cristã no mundo. Prosseguindo esse caminho ideal, João Paulo 2º pronunciou-se com firmeza, muitas vezes, contra o temido e explosivo conflito iraquiano. A mensagem de 1º de janeiro de 2003 é densa de citações e atualizações da "Pacem in Terris", em particular repisando os quatro pilares da paz: verdade, justiça, amor e liberdade. O discurso ao corpo diplomático em 13 de janeiro, com explícita referência à Carta da ONU, recordava que "não se pode recorrer à guerra, mesmo que se trate de assegurar o bem comum, senão como extrema possibilidade e no respeito de precisas e rigorosas condições". Devem ser lembrados os cardeais enviados pelo papa para levar seu apelo de paz a Saddam e a Bush. Cada domingo, à hora da recitação do "Ângelus", o papa convidava a explorar todos os espaços de tratativas ainda possíveis. A reprovação da guerra tomou acentos particularmente vibrantes em 16 de março, recordando às jovens gerações a sua experiência pessoal de sobrevivente do último conflito mundial. A legítima autoridade da ONU não participou da decisão, temendo-se que o seu Conselho de Segurança não autorizasse uma intervenção já decidida pelo governo americano. Igualmente, a ONU, até agora, é deixada de lado para presidir a reconstrução do Iraque. A paz é e será sempre o grande desejo e anseio da humanidade. Ela deve ser preparada pela educação da pessoa e da comunidade. Sua construção supõe cuidados e fundamentos sólidos. Sem justiça, sem perdão, sem solidariedade, fraternidade e diálogo incansável não há paz. Os gritos e apelos por paz continuarão. Que cesse toda a intransigência. O mundo pode ser melhor; depende de cada um de nós. Depende de boa vontade e ação. Deus ajude a todos nós. Dom Geraldo Majella Agnelo, 69, é cardeal-arcebispo de Salvador (BA) e primaz do Brasil. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Geraldo Alckmin: A nomeação que não fiz Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
|