São Paulo, sábado, 18 de maio de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Proibir a venda de bebida alcoólica em postos de gasolina é uma medida eficaz?

NÃO

Precisamos de mais leis?

SERGIO DARIO SEIBEL

A Câmara Municipal de São Paulo acaba de aprovar, por acordo de lideranças, projeto de lei que proíbe a venda de bebidas alcoólicas em postos de gasolina e em suas lojas de conveniência existentes na cidade.
Será esse mais um virtuoso passo no sentido do controle da venda de bebidas alcoólicas, principalmente a menores de idade, e na redução de acidentes de trânsito? Em entrevista publicada dia 15/5/02, nesta Folha, o vereador autor do projeto de lei menciona o fato de ser proibido o comércio de bebidas alcoólicas para menores de 18 anos de idade, "mas esses estabelecimentos vendem. A lei tem o objetivo de impedir isso".
Nós estamos cansados de saber que todos os estabelecimentos comerciais -sejam bares, restaurantes ou supermercados- também assim o fazem. Até agora, parece que nunca sofreram nenhuma punição das autoridades fiscalizadoras. Será necessária uma outra lei para fazer cumprir a anterior? Enquanto a sociedade não criar instâncias efetivamente fiscalizadoras sobre o que já existe, a tendência é fazer "tabula rasa" do que já existe, bem como daquilo que está por vir, e as leis acabam se tornando inconsistentes.
Para que haja consistência, uma legislação deve ser baseada em políticas públicas sólidas. Quando se definem políticas públicas, um de seus pontos cardeais é o da identificação de áreas prioritárias a serem problematizadas. E os problemas decorrentes da intoxicação pelo álcool justificam plenamente essa preocupação. No estabelecimento de políticas sobre o álcool, é necessário ter claro o seu impacto sobre a saúde pública. E a saúde pública trabalha com uma gama de hipóteses e ferramentas que falam a favor de um conjunto de medidas para que se determine a natureza do comportamento de consumidor de álcool e dos determinantes da mudança de tal comportamento.
Isso quer dizer que esse conjunto de medidas diz respeito a questões como:
Tarifas e comércio das bebidas alcoólicas -devemos nos lembrar de que o preço final das bebidas alcoólicas produzidas no Brasil é muito baixo;
Investimento maior nas diferentes opções de atenção especializada, ou seja, educação sanitária (prevenção) e tratamento aos prejudicados pelo uso nocivo. Sem contabilizar situações como o imenso sofrimento existencial e familiar, os dias perdidos em faltas ao trabalho ou à escola, devido às repercussões psíquicas e físicas decorrentes de um uso indevido, nocivo, de risco ou dependente.
Dados do Ministério da Saúde mostram que, no Brasil, os gastos com internações decorrentes de uso indevido e da dependência de álcool e outras drogas, no triênio 1995-97, ultrapassaram os R$ 310 milhões. Ainda nesse período, o alcoolismo ocupava o quarto lugar no grupo das doenças mais incapacitantes, considerando-se a prevalência global. Apenas no ano de 1996, o SUS registrou que a cirrose alcoólica do fígado foi a sétima maior causa de óbito na população acima de 15 anos
Integram ainda o conjunto de medidas as seguintes questões:
Maior interferência na regulamentação de políticas das indústrias de bebidas alcoólicas, como propaganda, marketing e distribuição no comércio; assim como questionar as estratégias de lobby utilizadas e sua interferência no processo político regulamentador;
Estudo abrangente dos problemas relacionados ao consumo do álcool, como a epidemiologia dos acidentes, não apenas de trânsito, mas as ocorrências policiais e de serviços de emergência médica devido a situações de violência e clínicas motivadas pelo uso nocivo ou prejudicial do álcool. Dados de 1997 do Instituto Nacional de Abuso de Drogas dos EUA mostram que o uso excessivo de álcool é um fator verificado em 68% dos homicídios culposos, 62% dos assaltos, 54% dos assassinatos e 44% dos roubos ocorridos.
Apenas com medidas amplas no estabelecimento de políticas de impacto na saúde pública, desenhadas com base em informações confiáveis, será possível o estabelecimento de uma legislação abrangente e adequada para a redução da venda e do consumo de bebidas alcoólicas.
Incluindo aí o item que diz respeito à proibição da venda de bebidas alcoólicas em postos de gasolina e em lojas de conveniências.


Sergio Dario Seibel, 57, psiquiatra, doutor em saúde mental, é pesquisador associado à Faculdade de Medicina da USP e presidente do Comitê Multidisciplinar de Estudos em Dependência do Álcool e Outras Drogas da Associação Paulista de Medicina. Foi presidente do Conselho Estadual de Entorpecentes de São Paulo (2001-02).



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