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TENDÊNCIAS/DEBATES
Proibir a venda de bebida alcoólica em postos de gasolina é uma medida eficaz?
NÃO
Precisamos de mais leis?
SERGIO DARIO SEIBEL
A Câmara Municipal de São Paulo
acaba de aprovar, por acordo de lideranças, projeto de lei que proíbe a
venda de bebidas alcoólicas em postos
de gasolina e em suas lojas de conveniência existentes na cidade.
Será esse mais um virtuoso passo no
sentido do controle da venda de bebidas
alcoólicas, principalmente a menores
de idade, e na redução de acidentes de
trânsito? Em entrevista publicada dia
15/5/02, nesta Folha, o vereador autor
do projeto de lei menciona o fato de ser
proibido o comércio de bebidas alcoólicas para menores de 18 anos de idade,
"mas esses estabelecimentos vendem. A
lei tem o objetivo de impedir isso".
Nós estamos cansados de saber que
todos os estabelecimentos comerciais
-sejam bares, restaurantes ou supermercados- também assim o fazem.
Até agora, parece que nunca sofreram
nenhuma punição das autoridades fiscalizadoras. Será necessária uma outra
lei para fazer cumprir a anterior? Enquanto a sociedade não criar instâncias
efetivamente fiscalizadoras sobre o que
já existe, a tendência é fazer "tabula rasa" do que já existe, bem como daquilo
que está por vir, e as leis acabam se tornando inconsistentes.
Para que haja consistência, uma legislação deve ser baseada em políticas públicas sólidas. Quando se definem políticas públicas, um de seus pontos cardeais é o da identificação de áreas prioritárias a serem problematizadas. E os
problemas decorrentes da intoxicação
pelo álcool justificam plenamente essa
preocupação. No estabelecimento de
políticas sobre o álcool, é necessário ter
claro o seu impacto sobre a saúde pública. E a saúde pública trabalha com uma
gama de hipóteses e ferramentas que falam a favor de um conjunto de medidas
para que se determine a natureza do
comportamento de consumidor de álcool e dos determinantes da mudança
de tal comportamento.
Isso quer dizer que esse conjunto de
medidas diz respeito a questões como:
Tarifas e comércio das bebidas alcoólicas -devemos nos lembrar de que o
preço final das bebidas alcoólicas produzidas no Brasil é muito baixo;
Investimento maior nas diferentes
opções de atenção especializada, ou seja, educação sanitária (prevenção) e tratamento aos prejudicados pelo uso nocivo. Sem contabilizar situações como o
imenso sofrimento existencial e familiar, os dias perdidos em faltas ao trabalho ou à escola, devido às repercussões
psíquicas e físicas decorrentes de um
uso indevido, nocivo, de risco ou dependente.
Dados do Ministério da Saúde mostram que, no Brasil, os gastos com internações decorrentes de uso indevido e da
dependência de álcool e outras drogas,
no triênio 1995-97, ultrapassaram os R$
310 milhões. Ainda nesse período, o alcoolismo ocupava o quarto lugar no
grupo das doenças mais incapacitantes,
considerando-se a prevalência global.
Apenas no ano de 1996, o SUS registrou
que a cirrose alcoólica do fígado foi a sétima maior causa de óbito na população
acima de 15 anos
Integram ainda o conjunto de medidas as seguintes questões:
Maior interferência na regulamentação de políticas das indústrias de bebidas alcoólicas, como propaganda, marketing e distribuição no comércio; assim como questionar as estratégias de
lobby utilizadas e sua interferência no
processo político regulamentador;
Estudo abrangente dos problemas relacionados ao consumo do álcool, como
a epidemiologia dos acidentes, não apenas de trânsito, mas as ocorrências policiais e de serviços de emergência médica devido a situações de violência e clínicas motivadas pelo uso nocivo ou prejudicial do álcool. Dados de 1997 do Instituto Nacional de Abuso de Drogas dos
EUA mostram que o uso excessivo de
álcool é um fator verificado em 68% dos
homicídios culposos, 62% dos assaltos,
54% dos assassinatos e 44% dos roubos
ocorridos.
Apenas com medidas amplas no estabelecimento de políticas de impacto na
saúde pública, desenhadas com base em
informações confiáveis, será possível o
estabelecimento de uma legislação
abrangente e adequada para a redução
da venda e do consumo de bebidas alcoólicas.
Incluindo aí o item que diz respeito à
proibição da venda de bebidas alcoólicas em postos de gasolina e em lojas de
conveniências.
Sergio Dario Seibel, 57, psiquiatra, doutor em
saúde mental, é pesquisador associado à Faculdade de Medicina da USP e presidente do Comitê
Multidisciplinar de Estudos em Dependência do
Álcool e Outras Drogas da Associação Paulista de
Medicina. Foi presidente do Conselho Estadual
de Entorpecentes de São Paulo (2001-02).
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