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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
O escudo do desenvolvimento
As forças que governam o Brasil
há duas décadas difundiram a
idéia de que não há alternativa prática
ao rumo que fazem o país trilhar.
Qualquer desvio desse caminho estreito e áspero seria aventura irresponsável. Penetrando a consciência
da classe média, essa idéia gerou sentimento de impotência. Um Brasil que
queira desenvolvimento com justiça
precisa repudiar as premissas falsas
dessa abdicação.
Para voltar a crescer, o país tem de
levantar escudo sobre seu desenvolvimento. O escudo não substitui a democratização de oportunidades de
emprego, produção e ensino que representa o cerne da alternativa que
buscamos. Entretanto, não se firma tal
alternativa se não for protegida dos ciclos de liqüidez na economia mundial.
Seis elementos compõem o escudo.
O primeiro elemento é a elevação
compulsória da poupança privada e
pública. Em princípio, elevação de
poupança é mais efeito do que causa
de crescimento. Não se inicia, porém,
dinâmica de crescimento na contramão dos interesses e preconceitos dos
mercados financeiros sem acúmulo
forçado de recursos nacionais. Os regimes previdenciários são o instrumento privilegiado para exigir poupança progressivamente proporcional à renda de cada um. O segundo
elemento é a multiplicação de canais
entre poupança de longo prazo e investimento de longo prazo, mesmo
quando seja preciso recorrer a instituições novas ou híbridas: por exemplo, a fundos, estabelecidos pelo governo, porém administrados de maneira competitiva, profissional e independente, que invistam a poupança
previdenciária na produção, inclusive
em conjuntos diversificados de empreendimentos emergentes. O terceiro elemento é a manutenção de carga
fiscal elevada. Contrariamente ao que
se diz, não pode ser muito mais baixa
do que a carga sofrida hoje. Inevitável
dar posição central a tributos como o
Imposto sobre o Valor Agregado, que
geram mais receita com menos distorção e desincentivo do que outros impostos. Mas que são regressivos e que
por isso mesmo só se legitimam no
bojo de um projeto democratizador
de oportunidades. O quarto elemento
é a disposição de renunciar, temporariamente, para que o Estado possa minimizar suas dependências, ao manejo anticíclico da política monetária e
fiscal. O que não quer dizer que essa
política deva ser pró-cíclica, agravando recessões com arrochos. O quinto
elemento é a renegociação ordenada
da dívida pública, facilitada pelo aumento, graças aos outros componentes do escudo, do poder de barganha
do governo. Renegociação necessária
para que se afirme a primazia da economia real sobre a confiança financeira. O sexto elemento é a prontidão para impor controles seletivos e circunstanciais sobre a saída do capital brasileiro, quando necessário para permitir
a renegociação da dívida.
Essas iniciativas não definem a estratégia de desenvolvimento de que
precisamos. Não substituem a tarefa
de ancorar crescimento econômico
em democratização de oportunidades; de mudar o financiamento, o conteúdo e, portanto, a qualidade do ensino público; e de introduzir as instituições de uma democracia mudancista,
de alta energia. Ampliam, porém, a indispensável margem de manobra. Ao
organizar mobilização forçada dos recursos nacionais, inauguram aquilo
de que o Brasil precisa com mais urgência hoje: uma economia de guerra
sem guerra.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
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