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CARLOS HEITOR CONY
Urubus e vampiros
RIO DE JANEIRO - Sem querer, a prefeita de São Paulo, acho que na condição de membro do diretório nacional do PT, definiu obliquamente o
poder político, tal como está sendo
exercido no Brasil.
Trata-se de uma carniça, disputada por urubus de um lado e de outro,
e de vampiros que sugam o sangue
nacional a pretexto de salvar a lavoura também nacional.
A carniça, que os piratas de antigamente chamavam de butim, é o poder em si, a caneta que funciona como a lâmpada de Aladim, sempre a
serviço do seu dono provisório. O gênio da lâmpada, ou da caneta, se manifesta prioritariamente nos diários
oficiais, onde os interessados tomam
conhecimento das nomeações, demissões, tabela de juros, licitações de
obras públicas, paralisações de obras
e início de outras que mais tarde serão paralisadas.
Uma carniça de sustância, disputadíssima por esfomeados urubus e
vampiros de diversas procedências,
na velha base que herdamos de nossos ancestrais da floresta: quem está
por cima da carne seca não quer largar o osso (embora carne seca, creio
eu, não tenha osso). E quem está fora
do festim faz tudo para expulsar os
beneficiários da carniça antes que ela
acabe.
Esse ficou sendo o discurso fundamental da classe política, o duelo de
urubus e vampiros pelo poder que
urubus e vampiros anteriores também disputaram na base do valendo
tudo.
O mais engraçado nessa justa medieval pelo castelo, que hoje foi rebaixado a palácio, é o uso de metáforas
iguais, desgastadas pelo uso e abuso,
pela ostensiva insinceridade das promessas e compromissos: combate à
corrupção, justiça social, espetáculo
de crescimento, fome zero, e como
ninguém é de ferro, depois do necessário pão, o prazeroso circo de manifestações culturais que farão a Europa mais uma vez se curvar à genialidade dos nossos artistas.
O cardápio é de monotonia irritante, mas torna-se indispensável quando reduzido, pela força dos fatos, à
simples carniça.
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