São Paulo, terça-feira, 18 de maio de 2004 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Fantasias
ROBERTO LUIS TROSTER
Supondo que o mecenas deposite os R$ 100 bilhões numa conta de depósitos à vista, o banco terá de aplicar obrigatoriamente R$ 80 bilhões em outros destinos: R$ 45 bilhões para o Banco Central do Brasil a custo zero -leia-se depósito compulsório em espécie-, R$ 25 bilhões para o crédito rural, R$ 2 bilhões para o microcrédito e R$ 8 bilhões em títulos públicos. Sobrarão R$ 20 bilhões para satisfazer a fantasia, mas, piorando o quadro, o nosso mecenas teria de pagar CPMF sobre o saque do dinheiro aplicado. Resumindo, menos de um quinto do dinheiro seria destinado a empréstimos e o mecenas ainda teria prejuízo por isso. Adaptando a fantasia para evitar o prejuízo do filantropo: seus R$ 100 bilhões são alocados em um depósito a prazo, com uma remuneração apenas suficiente para não ter prejuízo, e o banco que opera sem custos cobra os juros necessários para não ter perdas nem ganhos. Suponhamos que o ciclo da operação seja de um mês, ou seja, o mecenas deposita, o banco executa a operação -concede o crédito, faz o depósito compulsório no Banco Central e recolhe o FGC e todos os impostos-, o tomador paga o empréstimo e o nosso benfeitor recebe e saca os recursos ao fim de 30 dias. É outro sonho cuja materialização se provará decepcionante. Os números assustam. Em razão do depósito compulsório no BC e da tributação que incide na operação, poder-se-á emprestar apenas R$ 76,3 bilhões dos R$ 100 bilhões originais. Aprofundando a fantasia ainda mais, e supondo que a taxa básica de juros caia para zero, a taxa da operação, que evita prejuízo e não dá lucro para o mecenas nem para o banco, aumenta e passa a ser de 29,4% ao ano. É uma fantasia, e suas hipóteses são irrealistas: alguém disposto a emprestar sem ser remunerado, a taxa de juros básica da economia brasileira igual a zero, um banco sem nenhum custo e sem remunerar seus acionistas e inadimplência zero, mas o resultado não é. O ponto é que, nesse cenário paradisíaco, a taxa é absurdamente salgada: 29,4% ao ano -e parte considerável dos recursos não consegue sequer chegar ao destino almejado. Não é ficção, os números são reais e sufocam. O conjunto de impostos explícitos (CPMF, IOF, Pis, Cofins e IRF), combinado com os impostos camuflados de depósitos compulsórios e de aplicações obrigatórias dos bancos, é autêntico e inviabiliza o crédito barato. Piorando o quadro, a realidade é diferente do sonho: os investidores querem ser remunerados e não existem mecenas com R$ 100 bilhões, a taxa de juros básica é elevada -16% ao ano-, os bancos têm custos e o quadro institucional incentiva a inadimplência. Essa mistura pressiona as taxas de juros finais a níveis absurdamente elevados. O Brasil tem os juros mais altos do mundo. A conseqüência é que se está asfixiando o país. Os juros altos esmagam o crédito, nossa relação crédito/PIB está comprimida; portanto há baixo investimento, elevada mortalidade de empresas, desemprego e baixo crescimento. É um quadro kafkiano, é uma aberração, mas é um fato, não uma fantasia. Baixar os juros é precondição para a materialização de uma fantasia de todos, qual seja, um Brasil mais justo e crescendo sustentadamente a taxas elevadas. Outras precondições são educação, educação e educação, desburocratização da atividade produtiva, segurança, saúde, infra-estrutura e reformas trabalhista, política, tributária e do Judiciário, entre outras coisas. Fantasias ocupam a imaginação de todos, a questão é sua concretização. O sonho de embolsar a Megasena ou de ficar preso com a Juliana Paes depende de muita sorte; o de levar o ouro olímpico no basquete é uma combinação de sorte e de determinação; e o de baixar os juros depende só de determinação. Roberto Luis Troster, 53, doutor em economia pela USP, professor titular do Departamento de Economia da PUC-SP, é o economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos). Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Adriano Pires Rodrigues e Leonardo Campos Filho: Os preços dos combustíveis no Brasil Índice |
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