São Paulo, segunda-feira, 18 de maio de 2009

Próximo Texto | Índice

O texto abaixo contém um Erramos, clique aqui para conferir a correção na versão eletrônica da Folha de S.Paulo.

Editoriais

editoriais@uol.com.br

No banco dos réus


Draconiana, lei francesa que visa proteger direitos autorais na web expõe conflitos que repressão apenas não resolve

NUMA ESCALA sem precedentes, a internet abriu à humanidade condições de acesso à informação e ao entretenimento que, sem nenhuma dúvida, só se pode ter interesse em proteger e ampliar. Ao mesmo tempo, a extrema agilidade dos recursos tecnológicos à disposição dos internautas tem criado frequentes ocasiões de conflito, quando entra em jogo outra ordem de interesses, igualmente legítimos: os relativos à proteção da propriedade intelectual.
Veio da França, na semana passada, o exemplo mais extremado de legislação nessa área. A chamada Lei de Criação e Internet, aprovada depois de acalorado debate na última terça-feira, prevê mecanismos severos para impedir que usuários da internet façam downloads ilegais em seus computadores.
Cria-se uma instituição dotada do poder de punir qualquer pessoa flagrada em atos de infração a direitos autorais. Dispondo dos dados da identidade digital do suposto infrator -a serem obrigatoriamente fornecidos pelo provedor de acesso à internet-, as autoridades enviam-lhe uma advertência por e-mail. O reincidente é avisado pelo correio. Mais um download, e seu acesso à internet será cortado.
Críticas de natureza técnica e jurídica se acumulam sobre a nova lei, que ainda depende de ser examinada em sua constitucionalidade, no Judiciário francês, e em sua adequação às normas da Comunidade Europeia.
Estabeleceu-se, na verdade, um mecanismo de sanções ao qual não cabem meios judiciais de contestação adequados. A possibilidade de identidades digitais falsas serem, por sua vez, "pirateadas" é amplamente conhecida. Questiona-se o quanto há, nesse sistema, de invasão à privacidade do usuário.
Disseminou-se a tal ponto a prática do download ilegal -e são tão rápidas e mutantes as técnicas em curso nesse campo- que será difícil fazer cumprir, apenas pela repressão, as proteções legais aos detentores de "copyright" em obras literárias, musicais, cinematográ- ficas e jornalísticas.
É imperioso que os conteúdos intelectuais sejam protegidos contra a pirataria. Garanti-lo é o modo mais eficaz de incentivar o desenvolvimento da produção artística, cultural ou científica.
A fim de que essa proteção possa ser efetiva na nova realidade representada pela internet, exige-se, mais do que inovações legislativas, uma reforma importante no modelo tradicional de negócios -processo que, em- bora ainda em bases experimentais, já está em curso.
Forma-se agora um entendimento promissor, embora provisório como tudo nesse ambiente sujeito a mudanças repentinas: produtos que sejam vendidos a preços módicos, na web, poderão compensar, pelo efeito da escala, o faturamento que deixam de obter nos mercados tradicionais. O preço baixo tende a inibir a propensão de muitos usuários de valer-se de ferramentas ilícitas, que configuram apropriação indébita do trabalho alheio.
Fatiar produtos outrora comercializados inteiros -em vez de um disco, uma canção, em vez de toda uma revista, uma informação específica- torna-se uma prática em expansão. São os chamados micropagamentos. A venda virtual, vale lembrar, facilita a diminuição do preço ao consumidor, pois suprime uma série de etapas produtivas que representam custos para as empresas.
Novos modelos de remuneração do produto intelectual são sem dúvida um caminho mais promissor do que iniciativas meramente repressoras, que pretendam colocar milhões de usuários da web no banco dos réus.


Próximo Texto: Editoriais: Segurança e corrupção

Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.