São Paulo, segunda-feira, 18 de maio de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

Um ano depois

SERGIO BERMUDES


Tanto no STF quanto no CNJ, o ministro Gilmar Mendes tomou e estimulou medidas destinadas a fazer operante o processo judicial

SÓ RARAMENTE o cidadão da rua distingue os dois principais aspectos da administração da Justiça: assegurar direitos e ensinar às pessoas a cumprir as leis, a fim de evitar a prática de ilícitos que se reprimem e se punem, por imposição da sociedade.
Abstraídos os aspectos morais da conduta humana, as pessoas se comportam de um modo ou de outro porque aprenderam que a ordem jurídica regula, aprova e reprova o seu comportamento. Nisto consiste a ação pedagógica do Judiciário: interpretar as leis, revelando-lhes o conteúdo aos seus destinatários para alcançar o cumprimento espontâneo delas, mediante a divulgação das suas decisões e atividades.
Tome-se agora a efetividade do processo, que consiste em fazê-lo justo, pela correta aplicação das leis, e rápido, para que alcance resultados mais propícios. Só pela compreensão das finalidades da administração da Justiça a população leiga e a parcela consciente da fenomenologia jurídica podem participar da construção e reconstrução do Judiciário e da busca da efetividade do processo judicial.
Na sua primeira metade, a gestão do ministro Gilmar Mendes na presidência do STF mostrou o empenho dele na efetividade do processo e no conhecimento da Constituição, das leis e do Judiciário por todas as pessoas, de qualquer nível.
Tanto no STF quanto no Conselho Nacional de Justiça, o ministro tomou e estimulou medidas destinadas a fazer operante o processo judicial.
Aí estão os grupos volantes de trabalho, criados para organizar os serviços judiciários e resolver problemas impeditivos do seu regular funcionamento. Aí está a preocupação do presidente do STF com a formação de jurisprudência norteadora dos julgamentos de todos os órgãos judiciários, inclusive por meio da edição de súmulas vinculantes, de observância obrigatória dos juízes, tribunais de todo o Brasil e demais poderes públicos.
Os êxitos alcançados na primeira parte da administração de Gilmar Mendes se devem à coragem com que ele se ocupou de questões de grande significação.
A análise de suas atitudes mostra que os seus pronunciamentos nunca são vazios. Ao contrário, têm conteúdo, consistência e propriedade. Revelam, na essência, que ele compreende a missão pedagógica do Judiciário, concretizada não apenas no macroprocesso, de importância transcendente dos interesses das partes, de que se ocupa o microprocesso, mas também no enfrentamento de problemas fundamentais, de solução necessária ao desenvolvimento do país e à tutela dos direitos dos cidadãos.
O presidente do STF não é somente um juiz, pois detém lugar destacado no conjunto dos poderes dos que desempenham função política. Eis por que se devem compreender atos e pronunciamentos do chefe do Judiciário, que conseguiu, na primeira metade da sua administração, resultados espetaculares, como o desmonte do ameaçador Estado policialesco. O juiz não deve cortejar a opinião pública. Ao contrário, incumbe a ele aplicar a lei, ainda quando essa aplicação não corresponda ao julgamento popular, que, muitas vezes, decorre da incompreensão do Direito, como ciência e como sistema de regras obrigatórias de conduta.
Criadas para proteger os inocentes, as leis terminam, inevitavelmente, por causa da sua generalidade, beneficiando culpados, em virtude da presunção constitucional de inocência.
Por isso, não pode o juiz deixar de pôr em liberdade o cidadão apenas para agradar os homens que não têm condições de decidir quando certa lei deve ou não ser aplicada. O sentimento popular não avantaja o conhecimento jurídico. Nunca se pode esquecer que a opinião pública é volúvel.
Algumas vezes, a multidão se ilude; noutras, se ilude a multidão, como acontece quando, erroneamente, se glorifica um juiz só porque ele recebeu uma denúncia, fato rotineiro, praticado pelos magistrados, diariamente, em todo o mundo.
De modo censurável procede o juiz quando se aproveita da fama indevida, angariada pelo seu ato corriqueiro, em vez de apagá-la, dizendo ao público que nada fez senão receber uma denúncia, que será acolhida ou rejeitada, com condenação ou absolvição dos réus, depois de concluído, definitivamente, o processo penal.
As circunstâncias da atualidade mostram duas incompreensões: desconhece-se, algumas vezes, que as declarações de Gilmar Mendes se inserem no âmbito dos deveres do seu cargo; por outro lado, nenhum juiz é herói porque apenas recebeu uma denúncia que atende requisitos formais da lei, não importa o valor que derem a esse fato a falsa interpretação do alcance dele e as versões deturpadas que se propagam de ouvido a ouvido.


SERGIO BERMUDES, 62, é advogado e professor da PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro).


Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Luiz Antonio Guimarães Marrey: A restrição ao fumo e a experiência de NY

Próximo Texto: Painel do leitor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.