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ANTONIO DELFIM NETTO
Técnica ou política?
Nas últimas semanas e depois
que a estimativa do PIB revelou
que no primeiro trimestre tivemos um
crescimento negativo em relação ao
último trimestre de 2002, mas positivo
(de 2%) em relação ao seu homólogo,
aumentou a discussão sobre a política
monetária. A razão disso é que, esgotados dois terços do segundo trimestre de 2003, registra-se uma queda importante do nível de atividade e um
aumento do desemprego. Isso sugere
a possibilidade de mais um crescimento negativo, o que, tecnicamente,
caracterizaria um processo "recessivo".
A discussão revelou diferença de
opinião curiosa sobre a política monetária. Alguns afirmaram convictamente que a taxa de juro básica estabelecida pelo Banco Central é um fato
político. Outros afirmaram, também
convictamente, que não: ela seria um
resultado técnico decorrente dos modelos da teoria econômica. Obviamente, os dois lados estão exagerando
para diferenciar sua opinião e devem
saber que estão errados. A fixação da
taxa básica de juros em qualquer lugar
do mundo é um ato técnico temperado com uma atitude política. Nenhum
Banco Central (ainda que declare o
contrário) deixa de olhar para as "circunstâncias". Isso caracteriza a política monetária muito mais como uma
arte do que como um comportamento
puramente técnico ou puramente político.
A política monetária mudou muito
nos últimos 50 anos, como consequência da mudança das regras e das
instituições que a controlam. Hoje são
raros os países onde existe controle do
movimento de capitais, raros os que
utilizam os "depósitos compulsórios"
e mais raros ainda os que tabelam juros. A liberdade de movimento dos
capitais globalizou os mercados financeiros, e a maioria dos países utiliza a
taxa de juro nominal de curto prazo
para calibrar a disponibilidade de liquidez da economia com relação à sua
capacidade produtiva, de forma a
manter a taxa de inflação do país baixa
e parecida com a dos seus parceiros
internacionais. Alguns Bancos Centrais conservam o velho hábito de
controlar também a base monetária (o
que o BC infelizmente esqueceu em
2002), mas um número crescente parece usar apenas a taxa de juros devido
às incertezas que cercam a demanda
de moeda.
A pouco e pouco, os países vão caminhando para o sistema de "metas
inflacionárias explícitas", o que dá
maior transparência e responsabilidade política às manobras monetárias.
Países que têm pequena abertura externa, altamente endividados, com reservas internacionais precárias e dependentes do mercado de capitais para financiar seu balanço em conta corrente (como é o caso do Brasil), têm
dificuldades adicionais com o sistema
de metas. Sua taxa de câmbio sofre
enorme volatilidade em função das
ondas de otimismo e pessimismo que
costumam dominar os mercados de
capitais.
Quando (como é o caso do Brasil)
adotam metas explícitas, têm de criar
suficiente espaço para que as flutuações externas não exijam altos custos
sociais para mantê-las. Não se trata
apenas da credibilidade do Banco
Central, mas do realismo com que se
fixam as metas e os seus intervalos de
tolerância. A discussão atual no Brasil
não deveria ser se a taxa de juro é técnica ou política, mas se a meta estabelecida e o seu horizonte são factíveis, o
que não parece ser o caso.
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
dep.delfimnetto@camara.gov.br
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