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São Paulo, quarta-feira, 18 de junho de 2003

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ANTONIO DELFIM NETTO

Técnica ou política?

Nas últimas semanas e depois que a estimativa do PIB revelou que no primeiro trimestre tivemos um crescimento negativo em relação ao último trimestre de 2002, mas positivo (de 2%) em relação ao seu homólogo, aumentou a discussão sobre a política monetária. A razão disso é que, esgotados dois terços do segundo trimestre de 2003, registra-se uma queda importante do nível de atividade e um aumento do desemprego. Isso sugere a possibilidade de mais um crescimento negativo, o que, tecnicamente, caracterizaria um processo "recessivo".
A discussão revelou diferença de opinião curiosa sobre a política monetária. Alguns afirmaram convictamente que a taxa de juro básica estabelecida pelo Banco Central é um fato político. Outros afirmaram, também convictamente, que não: ela seria um resultado técnico decorrente dos modelos da teoria econômica. Obviamente, os dois lados estão exagerando para diferenciar sua opinião e devem saber que estão errados. A fixação da taxa básica de juros em qualquer lugar do mundo é um ato técnico temperado com uma atitude política. Nenhum Banco Central (ainda que declare o contrário) deixa de olhar para as "circunstâncias". Isso caracteriza a política monetária muito mais como uma arte do que como um comportamento puramente técnico ou puramente político.
A política monetária mudou muito nos últimos 50 anos, como consequência da mudança das regras e das instituições que a controlam. Hoje são raros os países onde existe controle do movimento de capitais, raros os que utilizam os "depósitos compulsórios" e mais raros ainda os que tabelam juros. A liberdade de movimento dos capitais globalizou os mercados financeiros, e a maioria dos países utiliza a taxa de juro nominal de curto prazo para calibrar a disponibilidade de liquidez da economia com relação à sua capacidade produtiva, de forma a manter a taxa de inflação do país baixa e parecida com a dos seus parceiros internacionais. Alguns Bancos Centrais conservam o velho hábito de controlar também a base monetária (o que o BC infelizmente esqueceu em 2002), mas um número crescente parece usar apenas a taxa de juros devido às incertezas que cercam a demanda de moeda.
A pouco e pouco, os países vão caminhando para o sistema de "metas inflacionárias explícitas", o que dá maior transparência e responsabilidade política às manobras monetárias. Países que têm pequena abertura externa, altamente endividados, com reservas internacionais precárias e dependentes do mercado de capitais para financiar seu balanço em conta corrente (como é o caso do Brasil), têm dificuldades adicionais com o sistema de metas. Sua taxa de câmbio sofre enorme volatilidade em função das ondas de otimismo e pessimismo que costumam dominar os mercados de capitais.
Quando (como é o caso do Brasil) adotam metas explícitas, têm de criar suficiente espaço para que as flutuações externas não exijam altos custos sociais para mantê-las. Não se trata apenas da credibilidade do Banco Central, mas do realismo com que se fixam as metas e os seus intervalos de tolerância. A discussão atual no Brasil não deveria ser se a taxa de juro é técnica ou política, mas se a meta estabelecida e o seu horizonte são factíveis, o que não parece ser o caso.


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

dep.delfimnetto@camara.gov.br


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