São Paulo, segunda-feira, 18 de junho de 2007

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Cidadania nas prisões e prevenção da violência

FÁBIO COSTA MORAIS DE SÁ E SILVA


É pertinente olharmos para as prisões: a maior parte dos estudos aponta índices de reincidência carcerária em torno de 60%


AS RECENTES mudanças no comando do Ministério da Justiça trouxeram à tona, mais uma vez, este que é um dos maiores desafios à construção de uma verdadeira ordem democrática no país: a necessidade de concebermos estratégias responsáveis para mediar a nossa relação com a violência.
Assumir esse desafio está longe de ser tarefa das mais fáceis quando crescem clamores por soluções simplistas, como a redução da maioridade penal ou a adoção da pena de morte. Em todo caso, foi o que fez nesta seção o novo titular da pasta, ministro Tarso Genro, ao reivindicar uma maior interface entre políticas sociais e políticas de segurança pública ("Tendências/Debates", 15/4).
A proposta do ministro está em sintonia com o que de mais atualizado existe no assunto: a ênfase na prevenção. No entanto, sugere uma revisão do que até agora vimos concebendo como segurança pública: para além de aplicar a lei, é preciso firmar um compromisso com a produção de novos e mais solidários sentidos para a vida em comunidade.
É nessa nova abordagem que se torna pertinente voltarmos os olhos a um tema esquecido na agenda nacional: as prisões. E o motivo é simples: a maior parte dos estudos aponta índices de reincidência carcerária em torno de 60%. Ou seja: dos cerca de 400 mil presos no sistema em dezembro de 2006, 240 mil já tinham passagem por cadeias públicas ou presídios.
Não é para menos. Um breve olhar para o setor deixa claro que a nossa execução penal não tem servido para nada além de aumentar a vulnerabilidade que já acompanha a trajetória da maior parte dos apenados e apenadas.
Daquele imenso número de detentos, menos de 20% estão envolvidos em atividades educacionais e menos de 25% em atividades produtivas, ainda que baixíssimos sejam os níveis de escolaridade e de acesso prévio ao mundo do trabalho registrados em meio a essa população. A essa total ociosidade, somem-se fragilização de vínculos familiares e escassez de programas de apoio ao egresso depois que ele obtém o alvará de soltura.
O fato é que uma das maiores fontes de violência instaladas no Brasil é administrada pelo próprio Estado: são as prisões, por mais que isso não fique claro quando de fora delas avistamos apenas muros e guaritas. Daí por que elas devem constituir uma parada obrigatória de qualquer ação preventiva em matéria de segurança pública, como a que consta das intenções do ministro. A questão é saber como fazer isso, já que os investimentos sociais nas prisões estão definitivamente fora das nossas práticas de gestão.
Não à toa, auditoria feita pelo TCU para investigar a "profissionalização do preso" constatou imensa disparidade entre a aplicação de recursos federais para a construção de novos presídios e para a implementação de programas de reintegração social.
Talvez um bom ponto de partida seja tomar de exemplo o que o próprio TCU reconheceu como das poucas boas iniciativas na área: o projeto "Educando para a Liberdade", desenvolvido a partir de parceria entre o Ministério da Justiça, o Ministério da Educação e a Unesco.
Mais que conquistas substantivas, o projeto legou um novo modo de fazer política criminal e penitenciária: na medida em que o Ministério da Justiça estabeleceu conexão com uma pasta da área social para a elaboração de uma nova agenda de inclusão; que a parceria foi estendida aos Estados na forma de assistência técnica e mobilização de programas; que recursos públicos foram redirecionados para financiar ações estruturantes forjadas em diálogo com atores relevantes e com a própria sociedade civil, uma pequena janela de oportunidades se abriu para que tenhamos sistemas de Justiça e segurança mais comprometidos com a realização de direitos e a promoção da cidadania, sem o que dificilmente poderemos falar numa sociedade mais segura.
A tarefa agora é enraizar essa perspectiva, o que poderá ser alcançado com a fixação de duas variáveis para orientar a atuação dos gestores diante da questão: o "déficit de vagas" mas também o que tenho chamado de "déficit de atendimento". A partir daí, a elaboração de novos pactos e planos que induzam o acesso a trabalho, geração de renda e recomposição de vínculos familiares nas prisões brasileiras será apenas uma questão de exercitar a imaginação, desenvolver instrumentos e estabelecer metas.

FÁBIO COSTA MORAIS DE SÁ E SILVA , mestre em direito pela UnB (Universidade de Brasília), é advogado. Foi dirigente no Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça e consultor da Unesco no projeto "Educando para a Liberdade".

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