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São Paulo, sexta-feira, 18 de julho de 2003

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JOSÉ SARNEY

Sair do berço esplêndido

Rui Barbosa criou a máxima de que "fora da lei não há salvação". Hoje, que outros temas e outras aspirações circulam na cabeça e na esperança de todos nós, a palavra desenvolvimento passou a ter status de magia. É que sem ela não só não existe salvação como emprego, renda, bem-estar, paz, segurança, tranquilidade pública e futuro. Daí a necessidade de crescer. Desenvolvimento e crescimento são farinhas do mesmo saco.
Algumas coisas são impeditivas do desenvolvimento, como juros altos, deflação, falta de investimento, confiança do chamado mercado e sobretudo falta de obras. Juscelino, num tempo em que a idéia de planejamento ainda estava ligada ao dirigismo estatal, coisa de esquerda e prática do mundo comunista, estabeleceu o seu programa de metas, que nada mais era do que objetivos a serem alcançados com um mínimo de complicação e um máximo de objetividade. O governo do Juscelino não teve grandes planos nem grande papelório. Não havia o Plano Salt, que encantou uma geração que achava ser aquele o caminho que o Brasil deveria trilhar para o progresso. Adhemar de Barros, dizia o folclore de sua figura bem representativa do velho político populista, tinha uma estante cheia de planos, bem encadernados, alentados em páginas, cheios de números e gráficos. Quando alguém chegava com alguma cobrança de que ele agia sem rumos e por sua própria cabeça demagógica, pedia, para mostrar ao interlocutor: "Traz aí um plano para enganar trouxa".
O Brasil está precisando de um certo choque de objetividade e de Realpolitik. Perdemos muito tempo em pastéis de vento, discussões teóricas, dialéticas rotundas e mestres de uma noitada de uísque, doutores do nada. Nada melhor para não fazer nada do que um labirinto que tem sua saída num círculo sem saída.
Há coisas óbvias que não precisamos estudar nem especular. Fazer, simplesmente fazer. Por exemplo: se tivéssemos feito a Norte-Sul, o Brasil hoje seria outro. Os tais 70 milhões de hectares que estão esperando ser ocupados para produzir já estariam em produção. A transposição das águas do São Francisco ou do Tocantins-Araguaia para o Nordeste não passam de aspirações e discussões. Se metade dos projetos nacionais que estão parados por falta de decisão do Ibama for solucionada, a retomada do crescimento começa. Não é que o Ibama seja um entrave. É que ele não tem técnicos, não tem recursos para analisar tudo o que lhe chega, e, como hoje lhe chegam todas as obras a serem executadas, fica tudo parado.
Se o Banco do Brasil, o BNDES, a Caixa Econômica Federal fizessem um mutirão de tudo o que está parado, com recursos disponíveis e entraves burocráticos, se resolvessem, mais de um terço do desenvolvimento seria posto em marcha. Se a burocracia e o marasmo cedessem lugar na administração pública a buscar rápida solução para a liberação, aprovação de projetos, retomada de obras paradas e solução de entraves, outra parte da paralisia do país seria transformada em marcha acelerada.
Não se enche barriga só com especulações. As coisas pequenas, objetivas e necessárias são tão importantes quanto as teorias.
A Europa está parada, os EUA estão parando, o Japão está dopado, então, vamos ficar marcando passo? Nem tanto ao mar nem tanto à terra. Isso é motivo de preocupação, mas o Brasil pode andar. Não pode ficar como no hino nacional, "deitado eternamente em berço esplêndido".
É hora de desatar os nós.


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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