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Anatomia das segundas-feiras
CARLOS HEITOR CONY
Rio de Janeiro - Nada a ver com o
rock homônimo que fez sucesso há
tempos. Também não gosto das segundas-feiras e tenho excelentes motivos
para isso. É o dia em que todos os chatos do mundo saem das tocas, infestam ruas, caminhos e vales da vida, é
uma invasão, um "apocalypse now".
Depois de passarem o fim-de-semana constatando que precisam fazer alguma coisa -já que, até então, nada
fizeram senão aborrecer os outros e a
si mesmos-, eles tomam a férrea decisão de, a cada segunda-feira, iniciar
o futuro que começa a cada dia, a cada semana e, em especial, a cada segunda-feira.
Essas sinistras resoluções nascem da
fossa crepuscular do domingo. Tão logo o sol se levanta na segunda-feira
decisiva (que são todas elas), eis que a
turba se ergue dos túmulos da mediocridade existencial e sai à cata das
oportunidades, da concretização dos
propósitos. É na segunda-feira que todos os que ainda não chegaram lá se
repõem em dia com velhos projetos,
antigas ambições. Dessa vez vai. Ou
melhor, dessa vez vão.
Vão é poluir a vida dos outros. Procuram amigos e ex-amigos, fazem sondagens no mercado, forçam coincidências.
Na terça-feira o entusiasmo diminui, acaba na quarta-feira, e no resto
da semana tudo volta ao que era antes, exceto nas sextas-feiras, quando
os mais insistentes buscam reatar os
contactos, tentam um "replay", uma
avaliação das possibilidades ameaçadas na segunda-feira. E forçosamente
transferidas para a segunda-feira seguinte.
A sabedoria ancestral dos judeus ensina que não se deve começar nada de
importante nas segundas-feiras. É o
dia que os antigos dedicam à Lua, um
cadáver astral que rola em torno da
gente, inútil e deletério, que serve somente para influenciar as marés e o
ciclo menstrual das mulheres.
Por tudo isso, acho que houve engano dos historiadores quando afirmam
que Cabral avistou o Brasil num domingo. Deve ter sido numa segunda-feira.
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