São Paulo, segunda, 18 de agosto de 1997.



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Obrigado, Betinho



Talvez o maior desafio deixado por Betinho seja o de manter e ampliar a capacidade de indignar-se e reagir


CÂNDIDO GRZYBOWSKI

Queremos, hoje, homenagear publicamente um dos fundadores e o principal inspirador do Ibase. Idéias, sonhos, propostas, valores e atitudes de Betinho são diretrizes e desafios que dão identidade e rumo ao Ibase. Nós todos, que com ele convivemos, perdemos um dirigente ímpar, mas não o comando ético, cultural e político que nos legou.
Para nós, Betinho é, acima de tudo, um convite a viver plenamente, com alegria. Ele, que teve a vida por um fio desde o nascimento, buscou-a de forma intensa, para si e para os outros, particularmente para aqueles que a sociedade de alguma forma excluiu.
Seu humor e sua ironia juntavam-se a uma forte indignação diante da mínima injustiça.
Ao mesmo tempo, a ousadia, a radicalidade da crítica e o engajamento incansável nas campanhas cívicas que animou não impediam Betinho de ter tempo para os amigos, um papo ameno, o deleite da música, o prazer da cerveja compartilhada: enfim, vamos viver buscando sempre o mais pleno sentido humano, não importa a adversidade que nos cerca, é o exemplo que Betinho deixa.
O Ibase foi para Betinho, também, um lugar para sonhar. Ele quis, sem dúvida, uma base para pensar e propor, para construir argumentos para a ação, para interpelar consciências e motivar a vontade de mudança.
Betinho deixou para o Ibase a missão de portador de uma mensagem de radicalidade democrática. Ensinou-nos, porém, que a democracia não é um modelo ou uma estrutura acabada, mas algo que constantemente deve ser sonhado, imaginado e recriado.
Talvez o maior desafio deixado por Betinho ao Ibase seja o de manter e ampliar a capacidade de indignar-se e reagir diante das injustiças e exclusões.
A crítica deve ser intransigente quanto às ações e omissões de governantes, representantes, juízes e elites dirigentes em relação aos direitos de cidadania de quem quer que seja: crianças, idosos, negros, índios, mulheres, famintos, miseráveis. Mas deve penetrar fundo no mundo das relações econômicas, demonstrando a responsabilidade de cada grande empresário brasileiro pela miséria, pela pobreza e pela desigualdade, desafiando-o a assumir responsabilidades sociais e públicas.
Deve, também, chegar ao coração da sociedade civil, desmascarando atitudes e práticas do cotidiano que negam os princípios éticos da democracia.
O desafio, porém, não é só criticar, mas ser capaz de propor e partir para a ação. Os direitos da cidadania se garantem com a participação, assumindo a responsabilidade individual e coletiva, aqui e agora, no enfrentamento de nossos problemas, lá onde estivermos, com os meios ao nosso alcance.
Betinho apostou na ação da cidadania. Em seu sonhar e agir, a reconstrução do Estado e da economia, como base de um desenvolvimento profundamente democrático e humano, tem como pressuposto a própria reconstrução da sociedade civil.
Betinho investiu nos movimentos sociais e nos grupos comunitários, nos comitês de cidadania, nas associações e nas organizações civis de todo tipo, nas manifestações culturais e artísticas como escolas de cidadania.
Mas foi num microespaço institucional, como é o Ibase, que deixou esse ideal se transformar em trabalho e convívio cotidiano. Nós, no Ibase, queremos manter viva a sua memória.
Pelas companheiras e pelos companheiros de trabalho, por todos os associados e colaboradores, obrigado, Betinho. Sentiremos a sua falta, mas faremos jus ao seu legado.
Cândido Grzybowski, 52, é sociólogo e diretor de Políticas e Planejamento do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).



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