São Paulo, domingo, 18 de agosto de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Parcerias no Oriente

CELSO LAFER


A China, a Índia e a Rússia são aliados em nosso esforço por uma melhor regulamentação dos fluxos financeiros


Têm-se tornado frequentes as manifestações dos principais candidatos à Presidência da República a respeito do papel que ocupam a China, a Índia e a Rússia no cenário internacional. Todos eles, sem exceção, têm destacado a conveniência -mais do que isso, a necessidade- de o Brasil estreitar suas relações com aqueles países.
Aqueles três países -que George F. Kennan denominou, juntamente com os Estados Unidos e o Brasil, de "monster countries" (países monstro), por sua dimensão geográfica, importância política e relevância econômica- não poderiam, efetivamente, deixar de merecer atenção prioritária de um país como o Brasil, que tem uma política externa com alcance global. E essa prioridade é recíproca: o Brasil ocupa lugar de destaque na política daqueles países para nossa região do mundo. Esse interesse mútuo resultou em uma extraordinária expansão de nossas relações com aqueles países nos últimos oito anos.
O comércio exterior brasileiro foi, no ano passado, cerca de 50% maior do que em 1994. Em comparação, a corrente de comércio do Brasil com a China e com a Rússia aumentou cerca de 150% entre 1994 e 2001. Com a Índia, a comparação é afetada por exportações excepcionais de produtos agrícolas brasileiros em 1994. Ainda assim, em comparação com a média de 1992 a 1994, o crescimento do comércio é da ordem de 130%. Entre 2000 e 2001, a China passou da 12ª para a sexta posição entre os maiores mercados para os produtos brasileiros; a Rússia, da 22ª para a 13ª; a Índia, da 40ª para a 34ª posição.
Mas as relações com aqueles países não podem ser reduzidas a sua dimensão econômica, por mais importante que ela seja. Estes três países caracterizam-se, como o Brasil, por terem, além de seus interesses específicos, interesses gerais no funcionamento da ordem mundial. São países multiétnicos, que enfrentam o desafio de compatibilizar a modernização de suas sociedades com o desenvolvimento sustentável de espaços continentais. São países que têm interesse, como nós, no combate ao crime organizado e aos delitos transnacionais, como o tráfico de drogas e a lavagem de dinheiro. Compartilham nosso repúdio ao terrorismo e nosso entendimento de que a agenda internacional não pode se restringir às questões de segurança.
A China, a Índia e a Rússia são aliados em nosso esforço por uma melhor regulamentação dos fluxos financeiros internacionais e no combate ao protecionismo nos mercados desenvolvidos.
Essa coincidência de percepções, propósitos e interesses tem tido expressão concreta na densidade dos contatos políticos, na multiplicação de iniciativas de cooperação e na coordenação de posições nos foros multilaterais. O presidente Fernando Henrique Cardoso realizou visitas a Pequim, a Nova Déli e a Moscou, simbolizando a prioridade atribuída às relações com aqueles três países. As visitas e contatos de alto nível realizados nos últimos oito anos são numerosos demais para listar.
Um dos campos mais promissores para o relacionamento com aqueles parceiros é a cooperação na área de ciência e tecnologia. Estamos construindo com a China satélites de sensoriamento remoto, um dos mais importantes projetos de cooperação Sul-Sul em andamento no mundo. No ano passado, foi assinado memorando de entendimento, entre os Ministérios de Ciência e Tecnologia de ambos os países, que prevê a expansão da cooperação científica e tecnológica para novos setores de ponta, como biotecnologia, informática e desenvolvimento de novos materiais.
Com a Índia, há iniciativas em curso ou sendo planejadas nas áreas de energia (etanol), agricultura, biotecnologia, bioinformática e metrologia científica. A visita do então ministro da Saúde José Serra à Índia, em julho de 2000, deu impulso simultaneamente à cooperação científica e ao comércio bilateral, passando a Índia a ocupar lugar de destaque como fornecedor de fármacos para o Programa Nacional de Saúde. Com a Rússia, há perspectivas promissoras nas áreas de energia, telecomunicações e indústria aeronáutica, assim como na cooperação para a utilização pacífica do espaço exterior.
As declarações dos candidatos à Presidência nos permitem esperar que o próximo presidente do Brasil dará continuidade a este que foi um dos eixos principais da política externa do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Ao fazê-lo, no entanto, será prudente ter presente o conselho de Goethe, que advertia que "idéias gerais e grandes presunções estão sempre no caminho das calamidades".
A ampliação de nossas relações com a China, a Índia e a Rússia trará benefícios na medida em que, como tem sido o caso até agora, tiver o propósito de expandir, e não de estreitar, os horizontes de nossas relações. Será vantajosa se gerar novas oportunidades de comércio e cooperação, se for pautada por nossos interesses concretos, e não por preconceitos ideológicos, se for vista como complemento, e não como alternativa a nossas relações com outros países.
Celso Lafer, 61, professor titular da Faculdade de Direito da USP, é ministro das Relações Exteriores. Foi ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (governo FHC) e das Relações Exteriores (governo Collor).


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