São Paulo, domingo, 18 de agosto de 2002

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Rudi Dornbusch

STANLEY FISCHER


Além de tudo, Rudi era um professor espetacular. Como orientador de tese, poucos se comparavam a ele


A morte de Rudiger Dornbusch, em 25 de julho, aos 60 anos de idade, levou embora um grande economista e um ser humano excepcional.
Rudi nasceu e cresceu em Krefeld, Alemanha. Ele se formou na Universidade de Genebra e completou seu doutorado na Universidade de Chicago, em 1971. Lecionou na Universidade de Rochester, entre 1972 e 1974, antes de retornar à Universidade de Chicago na condição de professor associado da Escola Graduada de Administração e Negócios, em 1974-75. Em 1975, aceitou um convite do Departamento de Economia do MIT e continuou a lecionar lá.
Tanto o tema quanto o estilo de seus primeiros trabalhos refletiram a influência do orientador de tese de Rudi, Robert Mundell. O tópico eram as taxas de câmbio e juros; o estilo era elegante e aparentemente simples, com modelos complexos reduzidos à interação de duas curvas. Por algum tempo, de fato, tais diagramas passaram a ser conhecidos como "diagramas de Dornbusch".
Em 1976, pouco depois de entrar para o MIT, Rudi escreveu seu artigo mais famoso e influente, "Expectations and Exchange Rate Dynamics" (Expectativas e a Dinâmica das Taxas de Câmbio), sobre o "overshooting" das taxas de câmbio. As variações cambiais que se seguiram à adoção das taxas de câmbio flexíveis, em 1973, foram surpreendentemente grandes, e a questão era por quê.
Rudi ofereceu uma explicação simples. Os níveis de preços e os do produto são "pegajosos", ou seja, só mudam lentamente. Quando um choque atinge a economia, ele é absorvido inicialmente pelas taxas de juros e de câmbio. Pouco a pouco, o impacto do choque vai sendo transferido para o produto e os preços, e o câmbio busca um novo equilíbrio.
O chamado "resultado Dornbusch" é que, nesse processo, a taxa de câmbio normalmente ultrapassa seu valor de longo prazo. Pelo fato de o fazer, as variações do câmbio são maiores do que as do nível de preços. Como comentou Ken Rogoff -o atual economista-chefe do FMI, que estudou com Rudi- no 25º aniversário da publicação do texto: "O artigo sobre o "overshooting" marca o nascimento da macroeconomia internacional moderna como ciência".
Ao mesmo tempo em que continuava a produzir artigos teóricos de valor excepcional, Rudi foi se interessando por questões de política econômica. Ele se tornou um dos mais importantes economistas políticos de nossa era, demonstrando possuir, para isso, o mesmo talento raro já manifestado em seu trabalho teórico: a capacidade de extrair a essência de um problema complicado e explicá-lo em termos que o faziam parecer simples. Ele trabalhou sobre uma larga gama de problemas, normalmente as mais importantes questões econômicas nacionais e internacionais.
Entre seus artigos sobre política econômica, o mais famoso é um de 1994 que previa a crise do peso mexicano. Foi um de seus muitos artigos sobre os problemas econômicos da América Latina.
Na medida em que foram crescendo seus interesses na área de política econômica, a fama de Rudi foi se difundindo. Ele era um viajante, palestrante e articulista incansável, além de colunista frequente. Em seus artigos de cunho mais popular, em suas colunas e no pódio, sua espirituosidade e sua rapidez de pensamento faziam dele uma presença formidável. Ele foi um dos melhores polemistas da área econômica.
Rudi não se furtava de anunciar seus pontos de vista, tendo com frequência seguido o conselho de Keynes: "As palavras devem ser um pouco selvagens, pois são a agressão do pensamento àqueles que não pensam". Em diversos momentos ele foi "persona non grata" para as autoridades de uma série de países, depois de descrever suas políticas econômicas ou seus comportamentos de maneira que as desagradaram. O fato de que tivesse razão, na maioria das vezes, não ajudava muito.
Apesar de sua persona pública, Rudi era um excelente assessor confidencial de política econômica. Quando eu estava no FMI, frequentemente o chamava para discutir alguma situação difícil. Ele falava pelo tempo que fosse preciso, e seus conselhos ofereciam sempre "insights" de que ninguém se dera conta.
Rudi chegou a cogitar brevemente fazer parte da administração Clinton. Felizmente, não o fez, já que tinha pouca paciência para suportar burocracia, reuniões prolongadas e a obrigação de seguir uma linha oficial. Sua vantagem comparativa estava justamente do lado de fora, onde ficava livre para desenvolver e expressar sua visão.
Além de tudo, Rudi era um professor espetacular. Como orientador de tese, poucos se comparavam a ele. Todos os macroeconomistas internacionais americanos que estudaram no MIT -entre eles Jeffrey Frankel, Paul Krugman, Maurice Obstfeld e Ken Rogoff- foram alunos de Rudi. Aliás, alunos excepcionais de Rudi podem ser encontrados em todo o planeta. É na dedicação deles a seu amigo e professor que está o maior elogio a Rudi como professor e mentor.
Rudi iluminava qualquer grupo do qual participasse. Ele era um dos mais talentosos homens e um dos mais calorosos e generosos com seu tempo e com ele mesmo, sempre à disposição de alunos e amigos quando precisassem dele. Lutou contra seu câncer terminal por bem mais de 18 meses, nunca se queixando, sempre expressando otimismo e achando que o mais recente tratamento experimental fosse dar certo.
Quando foi obrigado a ficar de cama, disse que esperava que seus amigos o lembrassem como ele tinha sido, não como foi no final. Eles o farão.
Stanley Fischer, professor de economia do MIT, é vice-presidente do Citigroup. Foi vice-diretor-gerente do FMI.


Tradução de Clara Allain


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