São Paulo, quarta-feira, 18 de agosto de 2004

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A "LEI MEIRELLES"

É inábil a maquinação urdida no palácio do Planalto para blindar o presidente do Banco Central do Brasil, Henrique Meirelles, contra eventuais processos. Com efeito, é política e juridicamente injustificável a medida provisória nš 207, que promove o banqueiro central à categoria de ministro de Estado, dando-lhe assim a prerrogativa de ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e não pelas instâncias ordinárias.
Para começar, a manobra, escandalosamente casuística, sugere que o governo federal desconfie que o Ministério Público tenha razões para acionar Meirelles, o que não estava claro até aqui. A rigor, o artifício pode prejudicar o presidente do BC, pois, como ministro, ele fica sujeito a responder também pelo crime de responsabilidade, cuja tipificação dá margem a muita subjetividade.
É também muito estranho que a administração do PT, partido que sempre condenou o abuso na utilização de medidas provisórias, se valha desse instrumento para resolver uma questão "doméstica", no que revela falta de espírito republicano. Além disso, não se vêem aqui a relevância e a urgência que deveriam ser os critérios para a edição de uma MP.
Essas considerações não significam em absoluto que o presidente do BC, seja ele quem for, não deva ter foro privilegiado no que diz respeito a processos judiciais. O BC é hoje mais importante e tem mais visibilidade do que muitos dos ministérios. Considerando-se que a jurisdição especial não se destina a proteger o réu, mas a sociedade, que veria reduzido o risco de juízes se deixarem influenciar pela importância e poder do acusado, faz todo o sentido defender a extensão do foro diferenciado para a presidência do BC.
É evidente, porém, que a mudança só deveria ser levada à consideração através de projeto de lei, e num momento em que o debate não estivesse contaminado pela discussão de um caso concreto. A maneira como a medida foi tomada deixou a deplorável sensação de que se forjou às pressas uma lei sob medida para Meirelles, e não um projeto para conferir novo status aos presidentes do BC.


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