São Paulo, quarta-feira, 18 de agosto de 2004

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ANTONIO DELFIM NETTO

Terrorismo

O novo "terrorismo" analítico que nos domina pretende impor ao Banco Central uma política ainda mais conservadora devido à "grave ameaça de elevação do juro de curto prazo americano" e ao "complicado problema do Oriente Médio, que pode continuar elevando os preços do petróleo". Ele se afirma na crença "científica" de que a taxa de juros real de longo prazo é, no Brasil, de 10% ao ano!
Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que os próprios economistas americanos até hoje não conseguiram esclarecer o mistério da não-redução da taxa de juros de dez anos a partir da crise econômica de 2001, quando, em um ano, o FED reduziu a "Federal Fund" -de 6% em janeiro para 1,5% em dezembro de 2001. O gráfico abaixo mostra as taxas dos papéis do Tesouro dos EUA de três meses e 10 anos. Enquanto a taxa de juros dos primeiros vieram de pouco mais de 5% em janeiro de 2001 para pouco menos de 1% em junho de 2004, as taxas de juros dos papéis de dez anos recuaram apenas de pouco mais de 5% para qualquer coisa acima de 4%.




De onde, então, vem a idéia de que a elevação do "FED Fund" aumentará dramaticamente a taxa de dez anos (que é a referência para o mercado)? Um cuidadoso estudo feito pelo soberbo economista Evan F. Koenig (vice-presidente do Departamento de Pesquisa do Federal Reserve Bank of Dallas) mostra que, só em condições muito severas de pressão e temperatura, o "FED Fund" estaria em torno de 4% no final de 2005. Dada a evidência do gráfico, porque conjeturar um aumento da taxa de dez anos maior que 1% ou 2% nos próximos 12 meses? Nas condições atuais de nossa vulnerabilidade externa, tal aumento é desagradável, mas parece perfeitamente suportável.
Por outro lado, o que se sabe, empiricamente, sobre os efeitos dos aumentos rápidos e significativos do preço do petróleo? Quase todos os estudos mostram que, nessas circunstâncias, o nível de atividade dos EUA tende a reduzir-se, ainda que haja uma pequena pressão sobre o nível de preços devido à mudança dos preços relativos da energia. O FED não explicita, mas, aparentemente, seu objetivo é uma inflação entre 2% e 2,5%, com um crescimento de 4% do PIB, o que traria o desemprego lentamente para baixo. Tudo isso, bem considerado, sugere que, a não ser em situação dramática, ele vá aproveitar a pressão "recessiva" do petróleo para ajustar mais cuidadosamente ainda o "FED Fund". A "expectativa" inflacionária nos EUA é de 2,1% para o segundo trimestre de 2005, dentro do curso esperado pelo FED.
Não parece, assim, justificado o "terrorismo" de alguns de nossos "cientistas" e, principalmente, dos "falcões" que reinam em nosso Copom.

Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

dep.delfimnetto@camara.gov.br


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