São Paulo, sexta-feira, 18 de agosto de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Contra o crime, um pacto pela juventude

ODED GRAJEW

OS RECENTES acontecimentos envolvendo o crime organizado aterrorizaram o Estado de São Paulo. Durante anos, a grande maioria dos que possuem poder político, financeiro, econômico, cultural e midiático não se deu conta do processo de deterioração ética e funcional de nossas instituições. Acomodou-se, buscando se proteger atrás de muros, vidros blindados e seguranças particulares. Não se deu conta da magnitude da crise. Não tomou consciência de sua responsabilidade e do seu poder para mudar a situação.


Se não houver mobilização para estancar a fonte que abastece o crime, não haverá prisões suficientes para dar conta da violência


A sociedade civil, que financia e elege os nossos governantes, precisa pressionar a classe política para que realize as reformas política e do Estado e faça da educação uma grande prioridade do Brasil -medidas indispensáveis, cujos resultados serão colhidos no médio e longo prazo.
A sociedade civil deve exigir e colaborar para que os sistemas de repressão, de segurança pública, judiciário e penitenciário sejam eficientes e livres da corrupção, mas, enquanto não se mobilizar para estancar a fonte da qual o crime organizado se abastece para desenvolver suas atividades, não haverá repressão e prisões suficientes para dar conta da violência.
Mesmo considerando que apenas 3% dos crimes resultam em condenações e prisões, só o Estado de São Paulo necessitaria de uma nova cadeia por mês para atender os novos ingressos no sistema penitenciário. Uma guerra só se viabiliza enquanto há soldados dispostos a matar. A criminalidade só existe enquanto há pessoas dispostas a correr os riscos das atividades ilegais ou colaborar com chefes do crime organizado.
O crime no Brasil conta, para realizar suas atividades, com um contingente potencial formado por aproximadamente 20 milhões de jovens de 16 a 24 anos, de baixa renda e escolaridade, desempregados, empurrados pelos intensos apelos de consumo e pela necessidade de sobrevivência a realizar qualquer tarefa que os possa remunerar.
Os jovens que não encontram uma oportunidade no mercado de trabalho, cada vez mais exigente, acabam aceitando, por falta de opção, correr os riscos do roubo, do assalto, do seqüestro, do assassinato, do tráfico de drogas e de armas. São as grandes vítimas da violência, e, sem eles, as atividades criminosas teriam muitas dificuldades de se viabilizar.
O grande desafio da sociedade brasileira é oferecer uma alternativa para esses jovens. Esse caminho não é impossível. Basta vontade política, engajamento e capacidade de mobilização.
As empresas deveriam aplicar a Lei do Aprendiz, que virou obrigação legal a partir do final do ano passado, oferecer estágios ou simplesmente contratar jovens. Essas medidas envolveriam o pagamento de uma remuneração, o aprendizado de uma profissão e a continuidade dos estudos regulares. As empresas não contratariam os jovens para atender as necessidades de suas operações regulares, para substituir trabalhadores regulares (o que seria uma incoerência), mas para oferecer a eles a oportunidade de inserção social.
Órgãos públicos, sindicatos e organizações sociais deveriam adotar as mesmas medidas, utilizando os jovens em atividades de trabalho na área comunitária e pública. Governos deveriam oferecer incentivos fiscais e/ou subvenções para promover um efetivo e amplo programa de primeiro emprego e para estimular e financiar a economia solidária para grupos de jovens.
Para começar, cada empresa, órgão público e organização deveriam se fazer a seguinte pergunta: quantos jovens posso apoiar sem que isso coloque em risco minha saúde financeira? Certamente se espantará ao perceber a quantidade de jovens a quem, sem grandes sacrifícios, sua organização poderia oferecer a esperança de uma vida digna. Seria uma grande pacto pela juventude, pelo presente e pelo futuro do nosso país.
O Instituto Ethos e outras organizações sociais e empresariais estão trabalhando na construção dessa mobilização. Se a maioria colaborar, milhões de jovens brasileiros poderão ter uma oportunidade de sair do contingente que hoje abastece as atividades criminosas. Se todos colaborarem, não haverá mais jovens à disposição do crime organizado. Todos terão a oportunidade de ser cidadãos.
ODED GRAJEW , 61, empresário, é presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social e membro do Conselho do Pacto Global, das Nações Unidas, e do Conselho de Desenvolvimento Social e Econômico. Foi idealizador do Fórum Social Mundial, idealizador e presidente da Fundação Abrinq (1990-98) e assessor do presidente da República (2003).


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