São Paulo, sexta-feira, 18 de agosto de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Saúde e desenvolvimento tecnológico

ISAIAS RAW

O BUTANTAN investiu em desenvolvimento tecnológico de novas plantas, projetadas no instituto, que hoje produzem metade dos soros hiperimunes e 85% de todas as vacinas fabricadas no país: 150 milhões de doses por ano, resultando numa economia de divisas da ordem de US$ 50 milhões por ano.


Sugerimos que o Brasil use esses recursos para oferecer a países menos desenvolvidos vacinas por nós produzidas


Foi criada a Fundação Butantan, que opera com eficiência de empresa privada. Índia e China vacinam gratuitamente cerca da metade da população, enquanto o Brasil vacina quase 100% das crianças e maiores de 60 anos. Essa é a diferença quando a meta é o lucro, e não a saúde pública.
O ciclo de desenvolvimento de uma vacina ou de um fármaco leva ao menos uma década. No exterior, o desenvolvimento, em geral, começa nos institutos e universidades, com auxílio de agências oficiais, e depois é transferido para grandes laboratórios, onde a tecnologia de produção é desenvolvida, e o produto, testado clinicamente. As universidades brasileiras, apesar dos significativos financiamentos oficiais, ainda não são capazes de desenvolver tecnologia transferível para empresas, que querem respostas que só podem ser dadas por quem já produziu. Preferem importar o produto a granel, se limitando à sua manipulação.
Neste ano, estamos lançando, com tecnologia própria, uma nova vacina contra coqueluche, a vacina BCG-hepatite da maternidade, a vacina contra influenza com adjuvante e o surfactante pulmonar, triplicando a produção até 2008.
Enormes quantias de dinheiro vindas da Fundação Bill and Melinda Gates, Fundação Rockefeller e Banco Mundial estão sendo aplicadas, dentro da visão econômica vigente, de que, financiando o desenvolvimento e garantindo o mercado, surgirão os imunobiológicos para os países pobres. Acredita-se que, dentro da "parceria público-privada", as grandes empresas, usando o mercado dos países avançados, poderiam oferecer vacinas a preços acessíveis para os países pobres. A experiência mostra que elas priorizam vacinas cuja demanda está nos países desenvolvidos e que os preços são muito mais altos do que os produzidos pelas empresas dos países em desenvolvimento.
A previsão da Global Vaccine Iniciative é que deverá ser possível vacinar as crianças do terceiro mundo a US$ 5/criança. Isso contrasta com a recente venda da vacina monovalente contra rotavírus ao ministério por US$ 14/criança. O Butantan, usando o desenvolvimento realizado pelo NIH, propõe uma vacina pentavalente por cerca de US$ 2/criança, o que demanda um investimento de menos de US$ 10 milhões, ridículo se comparado ao gasto anual com a importação, que custou US$ 55 milhões, 23% de todo o recurso do programa nacional de imunização, como se o rotavírus fosse a principal prioridade.
Com o mesmo custo anual, o Brasil vacina gratuitamente contra difteria, tétano, coqueluche e hepatite B 3,5 milhões de recém-nascidos, e contra a influenza, 19 milhões de pessoas.
A Fundação Gates está disposta a investir no Butantan se pudermos ressarcir esse investimento fornecendo vacinas para os países mais pobres por US$ 1. A Fundação Path desenvolveu vacina contra meningite A conjugada (prevalente na África) com um custo de US$ 0,4. A vacina contra hemophilus B, já no mercado a oito anos, ainda é vendida por um preço oito vezes maior, inacessível para os países em desenvolvimento.
Nos últimos quatro anos, o Ministério da Saúde economizou, na vacinação da influenza, cerca de US$ 100 milhões, o que permitiu a vacinação pública e gratuita, evitando a internação no inverno de pacientes idosos com pneumonia.
Terminada até o fim do ano a construção de sua planta de produção, a economia anual aumentará em mais de US$ 60 milhões por ano, contra um investimento de apenas US$ 18 milhões. A introdução de adjuvantes permitirá vacinar quatro pessoas com o que hoje é uma dose. A produção da vacina contra a pandemia da influenza aviária, reservada pelos países avançados para suas populações, está garantida para o Brasil.
O governo brasileiro se juntou a outros países avançados, oferecendo US$ 20 milhões para um fundo de financiamento internacional para investir em desenvolvimento nas empresas multinacionais, com garantias de mercado cativo.
Sugerimos que o Brasil use esses recursos para oferecer vacinas por nós produzidas para países menos desenvolvidos. O Butantan teria capacidade de oferecer aos países pobres 200 milhões de doses de DTP e 60 milhões de doses de DTP-hepatite B, que representam, a preços do Unicef, cerca de US$ 80 milhões. Com isso, estaríamos criando um instrumento brasileiro de cooperação com países muito pobres, do Haiti à Angola.
ISAIAS RAW , professor emérito da Faculdade de Medicina da USP, é presidente da Fundação Butantan.


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