São Paulo, segunda-feira, 18 de agosto de 2008

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Editoriais

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Distorção legislativa

É preciso diminuir acesso de parlamentares a verbas e assessores, que acabam sendo usados para fins eleitorais

A INFORMAÇÃO de que há vereadores de São Paulo transformando seus escritórios em comitês eleitorais reforça a necessidade de uma revisão nos benefícios concedidos aos legisladores.
Vereadores, neófitos ou veteranos, não se constrangem em afirmar que não enxergam diferença entre seu trabalho como representante público e a sua campanha eleitoral. A confusão se vê nas ruas: há assessores custeados com dinheiro público trabalhando nas campanhas. A prática é disseminada, como a Folha pôde comprovar ao percorrer cerca de 15 comitês.
A mistura de papéis agride o mandato popular, que não pode ser usado para fins privados. Além disso, o uso eleitoral da máquina legislativa distorce a campanha, erigindo uma espécie de cláusula de barreira contra candidatos que não detenham mandato. Quem entra agora na política já larga em desvantagem -e não apenas pelo fato de ser menos conhecido.
O problema assume caráter particularmente preocupante na capital paulista, palco de uma das campanhas mais disputadas do país. Cada vereador pode dispor de 17 assessores -com piso salarial de R$ 1.070 mensais-, além do chefe-de-gabinete, que recebe R$ 6.500. Para pagar os salários desses auxiliares, cada gabinete tem direito a uma verba mensal de R$ 50 mil. Além disso, há uma verba indenizatória de mais de R$ 10 mil mensais para custear correio e telefone, por exemplo.
O desvirtuamento, evidentemente, não se restringe a São Paulo, muito menos à esfera municipal. De janeiro a maio passado, os 135 deputados federais que planejam disputar uma prefeitura em 2008 usaram pelo menos R$ 2,5 milhões de sua verba indenizatória de R$ 8,5 milhões para "divulgar o mandato", "fazer pesquisas" ou "contratar consultorias".
Trata-se de despesas pelas quais a Câmara reembolsa o parlamentar mediante nota fiscal, mas que, principalmente em tempo de campanha, podem facilmente embutir outras destinações. Por esse meio, a Casa bancou, em média, R$ 18,9 mil em despesas para cada pré-candidato no período.
A legislação não tem sido suficiente para frear os abusos. Nos pleitos eleitorais, a lei estabelece punições para o uso de servidores e recursos oriundos do mandato parlamentar, mas na prática é muito difícil fiscalizar essa forma capilar e insidiosa de uso eleitoral da máquina pública.
É o modelo de sustentação da atividade parlamentar que precisa ser revisto. É preciso diminuir o volume nababesco de verbas e assessores a que um político eleito faz jus. A assessoria parlamentar, além disso, deveria ganhar um caráter mais técnico e impessoal. Isso passa pela forte restrição do número de auxiliares escolhidos livremente pelo parlamentar e pela ênfase na contratação, por concurso, de servidores qualificados e subordinados ao colegiado da Casa, e não a gabinetes específicos.
Mudanças assim, contrárias ao interesse imediato dos políticos eleitos, só ocorrerão mediante intensa pressão da sociedade.


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