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MARCOS NOBRE
Escárnio por abstenção
SE HOUVESSE um troféu do escárnio, a recente votação secreta no Senado bateria qualquer concorrente. Mas caberia uma menção especialmente de-
sonrosa às abstenções. A começar
pela declaração de abstenção do
próprio Renan Calheiros, que
abriu espaço para mais alguém que
votou contra a cassação poder dizer que votou a favor.
Historicamente, a abstenção
tem um profundo sentido democrático. É um voto de protesto qualificado. Significa que quem se abstém não concorda com o procedimento adotado, considera que o
encaminhamento não respeitou
plenamente o direito à manifestação, à informação e assim por
diante.
O senador Aloizio Mercadante
achincalhou a abstenção. Disse o
representante de São Paulo em entrevista a Josias de Souza: "Não há
um processo conclusivo de apuração das denúncias". Ora, se o processo não foi conclusivo, o único
voto coerente teria de ser simplesmente contra a cassação. Na prática, o voto do senador funcionou
exatamente assim.
Não faltaram oportunidades para o senador denunciar previamente o processo como falho, pedindo
sua revisão. Ao ser procurado pela
Folha antes da votação, o senador
se recusou a revelar seu voto. Disse
apenas que não podia prejulgar,
que tinha de ouvir a defesa até o final. Aceitou o procedimento, portanto, como correto e legítimo.
Na última chance que teve, no
plenário, o senador escolheu silenciar. Na mesma entrevista, Mercadante declarou: "Na hora que ia fazer minha intervenção, senti a polarização do plenário. Setores da
oposição acharam que eu estava
patrocinando uma manobra protelatória. Achavam que iam conseguir a cassação. Eu decidi não falar.
Disse: "Então, vamos votar'".
Não é nem um pouco fácil entender o que quis dizer o senador. Será
que ele estava torcendo pela cassação, mas queria que a oposição fizesse o serviço por ele? Decidiu então não falar e depois se absteve?
Não faz sentido.
Ou faz. Do ponto de vista de uma
lógica dita "pragmática", sinal máximo de "maturidade política" nos
tempos que correm. O "jogo real da
política", como disse Lula durante
a campanha eleitoral do ano passado, explicando: "Política a gente faz
com o que a gente tem".
No auge da crise do mensalão, o
PSDB teve a suprema arrogância
pragmática de achar que iria sangrar Lula devagar, até as eleições de
2006. Perdeu feio. Lula, pragmaticamente, vê vantagem em um presidente do Senado fraco e em dívida com o governo. Pode se dar muito mal. Porque não custa lembrar
que a novela Renan Calheiros está
longe de ter acabado.
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta
coluna.
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