São Paulo, terça-feira, 18 de setembro de 2007

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MARCOS NOBRE

Escárnio por abstenção

SE HOUVESSE um troféu do escárnio, a recente votação secreta no Senado bateria qualquer concorrente. Mas caberia uma menção especialmente de- sonrosa às abstenções. A começar pela declaração de abstenção do próprio Renan Calheiros, que abriu espaço para mais alguém que votou contra a cassação poder dizer que votou a favor. Historicamente, a abstenção tem um profundo sentido democrático. É um voto de protesto qualificado. Significa que quem se abstém não concorda com o procedimento adotado, considera que o encaminhamento não respeitou plenamente o direito à manifestação, à informação e assim por diante.
O senador Aloizio Mercadante achincalhou a abstenção. Disse o representante de São Paulo em entrevista a Josias de Souza: "Não há um processo conclusivo de apuração das denúncias". Ora, se o processo não foi conclusivo, o único voto coerente teria de ser simplesmente contra a cassação. Na prática, o voto do senador funcionou exatamente assim.
Não faltaram oportunidades para o senador denunciar previamente o processo como falho, pedindo sua revisão. Ao ser procurado pela Folha antes da votação, o senador se recusou a revelar seu voto. Disse apenas que não podia prejulgar, que tinha de ouvir a defesa até o final. Aceitou o procedimento, portanto, como correto e legítimo.
Na última chance que teve, no plenário, o senador escolheu silenciar. Na mesma entrevista, Mercadante declarou: "Na hora que ia fazer minha intervenção, senti a polarização do plenário. Setores da oposição acharam que eu estava patrocinando uma manobra protelatória. Achavam que iam conseguir a cassação. Eu decidi não falar. Disse: "Então, vamos votar'".
Não é nem um pouco fácil entender o que quis dizer o senador. Será que ele estava torcendo pela cassação, mas queria que a oposição fizesse o serviço por ele? Decidiu então não falar e depois se absteve? Não faz sentido.
Ou faz. Do ponto de vista de uma lógica dita "pragmática", sinal máximo de "maturidade política" nos tempos que correm. O "jogo real da política", como disse Lula durante a campanha eleitoral do ano passado, explicando: "Política a gente faz com o que a gente tem".
No auge da crise do mensalão, o PSDB teve a suprema arrogância pragmática de achar que iria sangrar Lula devagar, até as eleições de 2006. Perdeu feio. Lula, pragmaticamente, vê vantagem em um presidente do Senado fraco e em dívida com o governo. Pode se dar muito mal. Porque não custa lembrar que a novela Renan Calheiros está longe de ter acabado.


MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.


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