São Paulo, quinta-feira, 18 de setembro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Política pública, gestão social

ROBERTO NICOLSKY


Para dar impulso ao nosso desenvolvimento tecnológico, é preciso que a gestão dos recursos para inovação seja distribuída

UM RECENTE convênio do MEC (Ministério da Educação) com o Sistema S amplia o número de vagas gratuitas nos cursos profissionalizantes mantidos pelas entidades envolvidas sem ferir as suas autonomias institucionais, num arranjo que vai ao encontro das necessidades de formação profissional da indústria do país.
A meta é que, em 2014, o Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) invista 66,6% de sua receita líquida em cursos gratuitos, ou seja, mais da metade dos recursos da entidade e um aumento significativo em comparação com os 46% de hoje.
O Sesi (Serviço Social da Indústria) também aumentará gradativamente a destinação de parte da receita líquida a vagas gratuitas de educação básica e continuada até atingir o percentual de 16,67% em 2014.
O fato de a gestão dos recursos continuar nas mãos da sociedade civil organizada contribuirá para promover uma articulação mais profunda dos cursos do Senai com o desenvolvimento tecnológico nacional.
O convênio firmado apresenta-se, em sua concepção e formato, mais eficaz do que qualquer proposta de cunho estatizante direcionada para o ensino profissional. Afinal, não se pode dizer que a experiência da gestão estatal na educação técnica esteja sendo bem-sucedida.
Sob responsabilidade do MEC, os Cefets (centros federais de educação tecnológica) têm tido a sua função desvirtuada: em vez de se dedicarem a formar técnicos qualificados para o setor produtivo, têm servido como trampolim de alunos de classe média para a universidade. Apenas 36% dos técnicos de nível médio que trabalham na indústria vêm das escolas federais especializadas.
Por outro lado, 64% dos técnicos ativos vêm dos centros de formação do Senai, o que demonstra a força que tem esse sistema de capacitação profissional.
Não é difícil entender o porquê dessa diferença: por ser uma iniciativa das entidades empresariais da indústria, que efetivamente conhecem as necessidades do setor produtivo, as escolas do Senai preparam seus alunos diretamente para o mercado, sem perder o foco.
Se houver maior interação entre os setores público e privado, aliando conhecimentos, experiências e recursos, o resultado dos projetos de formação de mão-de-obra qualificada pode ser ainda melhor.
Conjugar finalidade social, o que somente o Estado pode assegurar, com agilidade e flexibilidade gerencial, o que somente o setor privado pode prover efetivamente, é um desafio não somente para o desenvolvimento do ensino profissionalizante. O mesmo raciocínio vale para a política de fomento à inovação tecnológica, na qual o MCT (Ministério da ciência e Tecnologia) poderia assumir o papel de articulador entre governo, indústria e instituições de fomento à inovação, além de oferecer a sua parcela de contribuição sob forma de recursos financeiros alocados de forma descentralizada.
A lei de inovação (nº 10.973/04), em seu artigo 19, que cria a subvenção econômica, faculta ao governo, em seu "caput", repassar recursos a entidades tecnológicas setoriais (ETS) do setor produtivo que tenham a inovação tecnológica como foco de atuação, para que levem essa forma de estímulo às empresas afiliadas, assegurando capilaridade às ações de fomento.
O espírito de parceria do MCT com as entidades da sociedade organizada deve ser cultivado não em caráter eventual, como ocorreu neste ano no edital de inovação do Senai, quando o MCT aportou R$ 1 milhão em recursos e R$ 1,2 milhão em bolsas. Deve ter forma permanente, especialmente para impulsionar as pequenas empresas, cuja dimensão está fora da capacidade de atendimento das agências governamentais de incentivo à inovação tecnológica.
Ao fixarem em R$ 1 milhão o valor mínimo por projeto, tanto os editais da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) quanto os financiamentos do BNDES alijaram as pequenas empresas de seus programas de fomento à inovação.
Ora, o artigo 65 da recente lei complementar nº 123 (Estatuto da Pequena Empresa) determina que 20% das verbas das agências no fomento à inovação devem ser destinados a empresas de pequeno porte, o que não tem sido cumprido à risca.
Segundo a lei, por exemplo, esse segmento teria direito a R$ 90 milhões dos R$ 450 milhões destinados pela Finep no edital deste ano de subvenção à inovação nas empresas.
Sistemas fechados evoluem com dificuldade. Para dar impulso ao desenvolvimento tecnológico no país, é fundamental que a gestão dos recursos para inovação seja distribuída, compartilhada entre os atores institucionais envolvidos. É preciso institucionalizar a parceria do MCT nos editais de inovação não apenas do Senai, mas também de ETS.
A sociedade, que financia tudo isso na ponta do processo, teria como contrapartida a geração de empregos, o aumento da renda e a sua melhor distribuição e o crescimento econômico decorrente da competitividade que só o desenvolvimento tecnológico genuíno pode proporcionar. O país só teria a ganhar com essa cooperação.


ROBERTO NICOLSKY , 70, físico, é diretor-geral da Protec (Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica).

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