São Paulo, sexta-feira, 18 de setembro de 2009

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JOSÉ SARNEY

O vesgo de ler contra

TOMEI-ME DE uma grande perplexidade e ao mesmo tempo surpresa ao verificar a defasagem existente no país sobre as ideias políticas que se discutem no mundo inteiro sobre os caminhos e o futuro da democracia.
Comemorando o dia da democracia, sem nenhum recado oculto, e apenas fazendo uma análise sobre o longo caminho das instituições democráticas, fiz um histórico de suas origens até o que hoje chegou a ser a democracia representativa. Depois de estender-me sobre a democracia no Brasil, voltei a examinar o debate que se trava no mundo inteiro (tive mesmo a oportunidade de fixar isto) sobre o futuro das instituições representativas.
Examinei as mudanças tecnológicas que transformaram as comunicações em tempo real, um instrumento novo que criou um novo interlocutor da sociedade democrática: a opinião pública. A sociedade civil organizada tornou-se concorrente do velho conceito inglês de Parlamento, instituição eleita por prazo certo para representar o povo. Hoje com a velocidade com que se forma a opinião, se debate ideias, os mandatos parlamentares envelhecem e o dia da eleição não corresponde mais aos desafios políticos a serem enfrentados pelos eleitos. Eu mesmo fiz parte de um painel, numa conferência da ONU em Bilbao, sobre estes temas e as consequências destas descobertas na privacidade, nos direitos individuais. A tese em exame era a pergunta a ser feita: quem representa o povo? A mídia ou os parlamentos? Não é uma questão de valor, é uma constatação do que ocorre.
Para onde caminhamos em termos de futuro? Disse ainda que a tendência é para a democracia direta, em que um dia o cidadão votaria não num representante, mas nas decisões a tomar. Consequência: um espaço concorrente entre a mídia e o Parlamento. Teoria minha? Não, uma discussão aberta.
Ainda esta semana, o "Le Monde", o grande jornal francês, onde as ideias podem ser discutidas, traz matéria em que se debate a internet e a democracia. Um conselheiro de Sarkozy radicaliza e afirma:
"A transparência absoluta [em tempo real] é o começo do totalitarismo". O presidente da UMP, o partido no poder, tem medo do que pode fazer a internet: "É um perigo para a democracia". E um ministro:
"A fronteira entre vida pública e privada vai se diluindo". A imprensa brasileira diz que eu, sem ter falado um momento em imprensa e sim no futuro da democracia, tinha atacado a mídia como inimiga das instituições? Meu Deus, eu nunca fiz isso nem faria. Simplesmente coloquei a controvérsia que, nos tempos da comunicação em tempo real, "de certo modo, a mídia passou a ser uma [concorrente] inimiga do Congresso". O meu mestre Mata Roma, quando aconteciam estas coisas, dizia "que era ler contra ou burrice".


JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.

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