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JOSÉ SARNEY
O vesgo de ler contra
TOMEI-ME DE uma grande
perplexidade e ao mesmo
tempo surpresa ao verificar a
defasagem existente no país sobre
as ideias políticas que se discutem
no mundo inteiro sobre os caminhos e o futuro da democracia.
Comemorando o dia da democracia, sem nenhum recado oculto,
e apenas fazendo uma análise sobre o longo caminho das instituições democráticas, fiz um histórico
de suas origens até o que hoje chegou a ser a democracia representativa. Depois de estender-me sobre
a democracia no Brasil, voltei a
examinar o debate que se trava no
mundo inteiro (tive mesmo a oportunidade de fixar isto) sobre o futuro das instituições representativas.
Examinei as mudanças tecnológicas que transformaram as comunicações em tempo real, um instrumento novo que criou um novo
interlocutor da sociedade democrática: a opinião pública. A sociedade civil organizada tornou-se
concorrente do velho conceito inglês de Parlamento, instituição
eleita por prazo certo para representar o povo. Hoje com a velocidade com que se forma a opinião, se
debate ideias, os mandatos parlamentares envelhecem e o dia da
eleição não corresponde mais aos
desafios políticos a serem enfrentados pelos eleitos. Eu mesmo fiz
parte de um painel, numa conferência da ONU em Bilbao, sobre estes temas e as consequências destas descobertas na privacidade, nos
direitos individuais. A tese em exame era a pergunta a ser feita: quem
representa o povo? A mídia ou os
parlamentos? Não é uma questão
de valor, é uma constatação do que
ocorre.
Para onde caminhamos em termos de futuro? Disse ainda que a
tendência é para a democracia direta, em que um dia o cidadão votaria não num representante, mas
nas decisões a tomar. Consequência: um espaço concorrente entre a
mídia e o Parlamento. Teoria minha? Não, uma discussão aberta.
Ainda esta semana, o "Le Monde",
o grande jornal francês, onde as
ideias podem ser discutidas, traz
matéria em que se debate a internet e a democracia. Um conselheiro de Sarkozy radicaliza e afirma:
"A transparência absoluta [em
tempo real] é o começo do totalitarismo". O presidente da UMP, o
partido no poder, tem medo do que
pode fazer a internet: "É um perigo
para a democracia". E um ministro:
"A fronteira entre vida pública e
privada vai se diluindo". A imprensa brasileira diz que eu, sem ter falado um momento em imprensa e
sim no futuro da democracia, tinha
atacado a mídia como inimiga das
instituições? Meu Deus, eu nunca
fiz isso nem faria. Simplesmente
coloquei a controvérsia que, nos
tempos da comunicação em tempo
real, "de certo modo, a mídia passou a ser uma [concorrente] inimiga do Congresso". O meu mestre
Mata Roma, quando aconteciam
estas coisas, dizia "que era ler contra ou burrice".
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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