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TENDÊNCIAS/DEBATES
O Brasil deve ter legislação que regulamente a prática do lobby?
NÃO
Combater a corrupção exige mais que leis
RAFAEL CLÁUDIO SIMÕES
No Brasil, o lobby, com razão e
amparado na realidade, diria eu,
tem sido identificado comumente
como atividade de corrupção, de favorecimento, de ilegalidade, enfim.
Diante das denúncias formuladas pela revista "Veja", que culminaram com o pedido de demissão
da chefe da Casa Civil, Erenice
Guerra, envolvendo além da agora
ex-ministra também seu filho e outros parentes, ressurge a discussão
sobre a regulamentação da atividade de lobby no país, afirmando-se a
necessidade de legislação específica. Não concordo com essa visão.
Sustentados por uma lógica que
procura substituir a inércia das instituições e da fraca cidadania por
uma sempre mais específica norma, muitos defendem novas e duras leis para o lobby. Esse tem sido
um padrão de nossa ação.
Sempre que confrontados com
algum problema, vamos propondo,
de imediato, mais e mais diplomas
legais. A lei é vista, assim, como um
fator de resolução para todos os
nossos problemas e dilemas sociais, políticos e econômicos. Triste
trópico, cheio de ilusões.
O combate à atividade ilegal de
lobby, que podemos claramente
determinar como tráfico de influências, pode muito bem ser feito dentro da atual legislação existente em
nosso país. Se as instituições não a
aplicam para fazer investigações,
promover denúncias e determinar
punições, o problema é outro.
Combater a corrupção, que tem
entre uma de suas principais manifestações, dentro de um opaco e fechado poder público, o tráfico de
influências, exige muito mais que
uma mera legislação definidora e limitadora das possibilidades de
ação do lobby.
Podemos com isso, na verdade,
estar regulamentando um espaço
da corrupção institucionalizada. A
história do Brasil está repleta de
exemplos que mostram como iniciativas destinadas a um fim acabam por causar efeito contrário.
Para exemplificar, podemos citar
a redução do número de vereadores, que teria como objetivo a redução dos gastos com as Câmaras municipais, mas que acabou ocasionando o inverso.
É necessário estabelecer, entre
outras coisas, uma efetiva integração entre os órgãos de combate à
corrupção, ampliar a transparência
pública, fortalecer os trabalhos dos
órgãos de controle interno e, principalmente, externo.
É preciso capacitar o trabalho de
investigação policial, definir e controlar novos mecanismos de doação para campanhas eleitorais,
combater a lavagem de dinheiro e o
"caixa dois" e, efetivamente, punir
corruptos e corruptores, não só
com a privação de liberdade mas
também com a recuperação de ativos desviados.
A gravidez da corrupção política,
como destacado pelo economista
Luís Filipe Vellozo de Sá, acontece,
via de regra, durante os processos
eleitorais e é para lá, principalmente, que devemos voltar nossos olhares, se queremos combater essas incestuosas relações entre o público e
o privado em nosso país.
A República democrática, para
se tornar uma realidade efetiva no
Brasil, precisa passar por um processo de valorização e aplicação
das normas existentes.
Não nos adianta ficar nesse permanente processo de fuga para o
futuro, em que a solução dos problemas é postergada pela necessidade de uma nova lei.
Somente com uma política de
combate à corrupção, que combine
prevenção e repressão e que atue
com planejamento estratégico, é
que poderemos construir instituições estatais, públicas e transparentes. Também é preciso definir
claramente os limites das relações
entre o público e o privado no país.
RAFAEL CLÁUDIO SIMÕES, historiador, é membro
fundador da ONG Transparência Capixaba.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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