São Paulo, sábado, 18 de setembro de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Brasil deve ter legislação que regulamente a prática do lobby?

NÃO

Combater a corrupção exige mais que leis

RAFAEL CLÁUDIO SIMÕES

No Brasil, o lobby, com razão e amparado na realidade, diria eu, tem sido identificado comumente como atividade de corrupção, de favorecimento, de ilegalidade, enfim.
Diante das denúncias formuladas pela revista "Veja", que culminaram com o pedido de demissão da chefe da Casa Civil, Erenice Guerra, envolvendo além da agora ex-ministra também seu filho e outros parentes, ressurge a discussão sobre a regulamentação da atividade de lobby no país, afirmando-se a necessidade de legislação específica. Não concordo com essa visão.
Sustentados por uma lógica que procura substituir a inércia das instituições e da fraca cidadania por uma sempre mais específica norma, muitos defendem novas e duras leis para o lobby. Esse tem sido um padrão de nossa ação.
Sempre que confrontados com algum problema, vamos propondo, de imediato, mais e mais diplomas legais. A lei é vista, assim, como um fator de resolução para todos os nossos problemas e dilemas sociais, políticos e econômicos. Triste trópico, cheio de ilusões.
O combate à atividade ilegal de lobby, que podemos claramente determinar como tráfico de influências, pode muito bem ser feito dentro da atual legislação existente em nosso país. Se as instituições não a aplicam para fazer investigações, promover denúncias e determinar punições, o problema é outro.
Combater a corrupção, que tem entre uma de suas principais manifestações, dentro de um opaco e fechado poder público, o tráfico de influências, exige muito mais que uma mera legislação definidora e limitadora das possibilidades de ação do lobby.
Podemos com isso, na verdade, estar regulamentando um espaço da corrupção institucionalizada. A história do Brasil está repleta de exemplos que mostram como iniciativas destinadas a um fim acabam por causar efeito contrário.
Para exemplificar, podemos citar a redução do número de vereadores, que teria como objetivo a redução dos gastos com as Câmaras municipais, mas que acabou ocasionando o inverso.
É necessário estabelecer, entre outras coisas, uma efetiva integração entre os órgãos de combate à corrupção, ampliar a transparência pública, fortalecer os trabalhos dos órgãos de controle interno e, principalmente, externo.
É preciso capacitar o trabalho de investigação policial, definir e controlar novos mecanismos de doação para campanhas eleitorais, combater a lavagem de dinheiro e o "caixa dois" e, efetivamente, punir corruptos e corruptores, não só com a privação de liberdade mas também com a recuperação de ativos desviados.
A gravidez da corrupção política, como destacado pelo economista Luís Filipe Vellozo de Sá, acontece, via de regra, durante os processos eleitorais e é para lá, principalmente, que devemos voltar nossos olhares, se queremos combater essas incestuosas relações entre o público e o privado em nosso país.
A República democrática, para se tornar uma realidade efetiva no Brasil, precisa passar por um processo de valorização e aplicação das normas existentes.
Não nos adianta ficar nesse permanente processo de fuga para o futuro, em que a solução dos problemas é postergada pela necessidade de uma nova lei.
Somente com uma política de combate à corrupção, que combine prevenção e repressão e que atue com planejamento estratégico, é que poderemos construir instituições estatais, públicas e transparentes. Também é preciso definir claramente os limites das relações entre o público e o privado no país.


RAFAEL CLÁUDIO SIMÕES, historiador, é membro fundador da ONG Transparência Capixaba.

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