São Paulo, quinta-feira, 18 de outubro de 2007

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KENNETH MAXWELL

Ormuz

HÁ QUASE EXATOS 500 anos, em 24 de outubro de 1507, Afonso de Albuquerque ordenou a construção de uma fortaleza na ilha de Ormuz. O pequeno esquadrão naval que Albuquerque comandava havia sido destacado da frota portuguesa enviada à Índia em 1506, recebendo a missão de patrulhar o mar da Arábia e de conquistar a ilha de Ormuz, que controlava o estreito canal que dá acesso ao golfo Pérsico.
O que os portugueses realizaram entre 1496 e 1519 foi desenvolver uma visão geoestratégica do mundo e, por meio do exercício impiedoso do poder militar, fazer dessa nova concepção geográfica o veículo para dominar padrões mais amplos de comércio oceânico, com a identificação e o controle de gargalos vitais. O número destes não era muito grande. Ormuz é um dos mais importantes. Isso explica o furioso bombardeio da ilha por Albuquerque e a construção de um forte no local pelos portugueses.
O estreito de Ormuz continua a ser um gargalo; por esse estreito canal passam entre 20% e 25% do petróleo do mundo. Em 1973, a Guerra do Yom Kippur, no Oriente Médio, levou ao fechamento do canal de Suez. Para a vulnerável economia mundial da metade dos anos 70, a perda da rota via Suez se provou desastrosa. Os preços do petróleo dispararam, e com eles a inflação. Nesta segunda-feira, os três maiores bancos norte-americanos estabeleceram um fundo de US$ 200 bilhões para ajudar a resgatar os mercados de crédito; os estoques mundiais de grãos são os menores em 30 anos; os preços do petróleo atingiram a marca de US$ 86,13 por barril. E Ben Bernanke, o chairman do Federal Reserve, se viu forçado a admitir, em discurso realizado em Nova York, que as perspectivas são "incertas" para a economia norte-americana. No entanto, o vice-presidente Cheney, da segurança de seu bunker governamental em Washington, aparentemente impressionado com o sucesso do ataque aéreo clandestino israelense contra uma suposta instalação nuclear síria, ao que consta estaria insistindo junto ao presidente Bush por uma ação semelhante contra a central nuclear do Irã.
Mas lembrem-se de Ormuz e lembrem-se de 1973. Não são necessárias armas de alta tecnologia para bloquear o estreito canal que oferece acesso ao golfo Pérsico. O Irã tem todas as cartas na mão nesse jogo. Caso Bush deseje outra guerra, ele deveria contemplar as conseqüências econômicas, bem como as militares. E talvez se lembrar, igualmente, daquele almirante português que compreendeu o vínculo entre comércio e poder ao ordenar o início da construção de sua fortaleza em Ormuz, 500 anos atrás.


KENNETH MAXWELL escreve às quintas-feiras nesta coluna.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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