São Paulo, quinta-feira, 18 de outubro de 2007

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Anotem o nome e o endereço da crise

RODRIGO MAIA

Na corrida para aprovar a renovação da CPMF, as mais sólidas barreiras morais e até constitucionais estão sendo atropeladas

SEI LÁ! -como se desdenha em dialeto carioca as afirmações que não se deseja que sejam verdadeiras-, mas os fatos estão aí.
O impasse que paralisa o Senado Federal, ainda protagonizado no palco pelo senador Renan Calheiros (PMDB-AL) -já encerrando sua longa performance-, é um episódio urdido pela política populista do "poder pelo poder" do presidente da República. É apenas um sintoma da crise de valores éticos deflagrada pelo governo Lula.
Na corrida -contra o tempo e contra a razão- para aprovar a renovação da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), o abominável imposto do cheque, as mais sólidas barreiras morais e até constitucionais estão sendo atropeladas sem constrangimentos, ameaçando perigosamente as instituições. Vale tudo, negocia-se tudo. Não se guarda nem mesmo a aparência respeitosa da separação republicana dos Poderes.
Durante a votação da CPMF, o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, agindo sem recato como agente do Executivo, cabalou e constrangeu parlamentares no plenário da Câmara dos Deputados. Na verdade, o governo não perde uma oportunidade de desrespeitar o Congresso Nacional -e fica por isso mesmo.
Por exemplo: faz mudanças orçamentárias por meio de medidas provisórias em vez de propor projetos de lei. Agora mesmo, com a medida provisória nš 387, que a oposição está impugnando na Justiça, quer distribuir dinheiro a Estados e municípios, desrespeitando a Lei de Responsabilidade Fiscal e a própria legislação eleitoral, pois são recursos destinados a azeitar as campanhas do PT e de aliados nas eleições municipais do ano que vem.
Por tudo isso, não é verdade que o Supremo Tribunal Federal ultrapassou suas atribuições ao interromper abruptamente o sistema de compra e venda de deputados federais com que o governo Lula forma sua base parlamentar. Absolutamente.
Basta conferir os artigos 14 e 17 da Constituição Federal. Os mandatos parlamentares pertencem aos partidos. Coube à Justiça Eleitoral, endossada pelo Supremo Tribunal Federal, declarar esse entendimento.
Nem ao menos se pode dizer que foi uma interpretação. Foi apenas uma leitura linear. A Justiça não inovou, simplesmente corrigiu certas práticas viciosas que renegavam o texto constitucional.
O governo Lula é que estava mal acostumado. Do mensalão -varrido constrangedoramente para debaixo do tapete pelo presidente, mas que está esquentando em fogo brando na Justiça, depois do primeiro julgamento que reconheceu a ação criminosa dos 40 encastelados no PT e de dois ministros que operavam no próprio Palácio do Planalto- à cumplicidade do governo para salvar o senador Renan Calheiros, cumpriu-se uma rota impressionante.
Enquanto isso, o presidente Lula se limita a alegar, como se fosse um álibi, que não sabia de nada. Mentira. Sabia, sabe e estimula tudo isso conforme o princípio de que o poder é um fim, a corrupção é um meio, e os valores éticos, meros obstáculos removíveis.
A responsabilidade direta e acintosa pela sobrevivência política do senador Renan Calheiros até agora precisa ser posta e proclamada.
A oposição não pode sofrer o descrédito a que está exposta toda a classe política. Até mesmo porque Renan Calheiros, como foram o ex-ministro José Dirceu e companhia, pode ser descartado por quem sempre o utilizou e agora mesmo pode jogá-lo ao mar como carga inútil, já que ele perdeu substância -até como moeda de troca- na votação da CPMF no Senado Federal.
Por trás de tudo, preocupado somente com ele mesmo -o que não significa preocupação com o país-, está Lula, solitário, pensando apenas em 2010.


RODRIGO MAIA, 37, deputado federal pelo DEM-RJ, é presidente nacional do Democratas.

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