São Paulo, domingo, 18 de outubro de 1998

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ALÉM DO AJUSTE FISCAL

Nos próximos dias, o governo brasileiro anunciará medidas de redução de gastos e aumento da arrecadação de impostos. A coerência e a viabilidade desse ajuste selarão o destino do Plano Real. As promessas serão avaliadas pelo FMI, que vai liderar uma operação de resgate estimada em cerca de US$ 30 bilhões.
O compromisso com o ajuste fiscal é a condição necessária para que o país recupere a confiança dos investidores. Entretanto, vários alertas têm surgido, sempre sugerindo que essa condição é de fato necessária, mas está longe de ser suficiente.
O real tem um valor artificial. Desde o início do Plano Real, foram cometidos exageros na fixação da sua cotação em relação ao dólar. Na época, com dólares entrando no país em abundância, isso era fácil. Agora, num contexto de escassez de divisas e retração global do crédito, o artificialismo é mais que suspeito. Ele é aparentemente insustentável.
No momento há uma ênfase compreensível na dimensão fiscal. Mas a questão cambial continua presente. O economista-chefe do Fundo, Michael Mussa, chegou a cogitar de uma correção cambial no bojo do entendimento entre o Brasil e o FMI.
Na sexta-feira, o tema foi objeto de uma extensa reportagem no "Wall Street Journal". Para Milton Friedman, por exemplo, a política cambial brasileira é uma bomba-relógio.
Mas não é só no exterior que opiniões respeitáveis alertam para a insuficiência de uma política econômica restrita ao ajuste fiscal. No Brasil, cresce o debate em torno de um Ministério da Produção, anunciado pelo presidente FHC em seu primeiro discurso após a vitória nas eleições.
Com ou sem o tal ministério, a questão é a intensidade da recessão necessária para impedir maiores desequilíbrios das contas externas.
Mais ainda, seja qual for o grau de contração da economia, há várias providências que seria possível desenhar. Como na embarcação ou habitação que vai enfrentar uma tempestade, é preciso reforçar janelas, proteger áreas vitais, preparar uma travessia minimamente organizada.
Mesmo com recessão, quais serão as políticas de defesa da estrutura produtiva nacional? O FMI, a julgar pelas exigências da maioria republicana no Congresso dos EUA, condicionará seus empréstimos a uma abertura comercial ainda maior dos países sob monitoramento. Perseguir metas nessa área, em meio a uma recessão, não é trivial.
Infelizmente, tanto na questão cambial quanto no campo das políticas comerciais e industriais o governo brasileiro mal começava a se organizar quando sobreveio a crise.
Anunciado o ajuste fiscal, obtida a ajuda externa, provavelmente virão meses de sacrifício econômico e piora no quadro social. Mesmo que os juros caiam aos já elevados 20% ao ano de antes da crise, o estoque da dívida pública interna aumentou. Ou seja, o garrote financeiro sobre as contas do governo pode perdurar.
A recessão torna ainda mais difícil pensar em desenvolvimento e metas de longo prazo. A tecnoburocracia brasileira está mal aparelhada para levar adiante o esforço de reestruturação produtiva. Ainda assim, vale também nesse terreno a máxima "antes tarde do que nunca".



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