São Paulo, domingo, 18 de outubro de 1998

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Informação, pesquisas e democracia



A democracia política, hoje, exige o acesso dos cidadãos à maior quantidade possível de informações
RENATO LESSA A democracia política, como hoje a imaginamos, exige o acesso dos cidadãos à maior quantidade possível de informações. Isso diz respeito tanto ao que se passa rotineiramente no âmbito político e social como a momentos de escolha eleitoral. O direito à informação, nesse caso, não inclui apenas a necessidade de acesso a programas e propostas de candidatos, mas a avaliações das chances de cada um deles no processo de competição política.
Em universos caracterizados por alguma fragmentação eleitoral e forte competitividade, é razoável supor que algumas escolhas possam ser feitas, de forma estratégica e complexa, a partir de um critério de preferência que associe afinidade com algum pragmatismo. As pesquisas eleitorais são os únicos instrumentos capazes de fornecer indicações para a realização de cálculos semelhantes. Não me parece defensável, do ponto de vista da democracia, que tal possibilidade de cálculo deva ser suprimida dos eleitores.
Tal supressão seria, para mencionar um cenário extremo, possível com a proibição pura e simples de pesquisas eleitorais. Em sua ausência, as escolhas seriam feitas sob um certo véu de ignorância, sustentam alguns ingênuos; dessa forma, levariam em conta apenas convicções pessoais genuínas a respeito da qualidade dos candidatos.
Mas, mesmo na ausência desse eleitor "estratégico", persiste o singelo princípio de que qualquer informação sobre o processo político deve estar ao alcance de seus protagonistas. As pesquisas pertencem ao arsenal de informações básicas em qualquer processo de competição democrática. Não devem, pois, ser postas na clandestinidade.
Para que essa característica da democracia não produza resultados paradoxais, deve-se obedecer a alguns cuidados. Nada muito extraordinário. Em primeiro lugar, é fundamental que haja competição entre instituições promotoras de pesquisas eleitorais. Mais do que movidos pelo apego à verdade, ao contrário do que julgava o bom Sexto Empírico -médico e cético da Antiguidade grega-, os seres humanos parecem se comportar obcecados pelo temor do fracasso e do ridículo. A competição entre institutos de pesquisa é fundamental para que métodos sejam aperfeiçoados e para que cuidados na coleta de dados sejam redobrados.
Mas não basta que a competição simplesmente exista. É preciso que ela pareça, de fato, existir. Explico melhor. Já que a pesquisa é um recurso público dotado da capacidade de influenciar a direção do voto, os modos de divulgação devem ser discutidos. Seria interessante se os meios de comunicação que mantêm contratos exclusivos com determinados institutos fossem obrigados, ao divulgar os "seus" resultados, a fazê-lo mencionando os de seus concorrentes. O efeito da apresentação dos resultados do Ibope pelo "Jornal Nacional", por exemplo, pode ser mais devastador do que qualquer erro ou impropriedade na coleta das informações. Não faria mal aos eleitores que a dimensão de falibilidade e de simulação das pesquisas fosse enfatizada.
Outro aspecto importante, ainda no campo da forma de divulgação, é o uso absurdo e indevido da expressão "se as eleições fossem hoje...". Não há a menor garantia de que, "se as eleições fossem hoje", o entrevistado teria escolhido o que escolheu. Por que não supor que o que foi escolhido no momento de uma pesquisa realizada, digamos, a um mês da real eleição levou em conta, de alguma maneira, que as eleições se dariam apenas 30 dias depois?
Profissionais de campanhas sabem: mais importante que a inclinação momentânea do voto é saber, para o conjunto do eleitorado, quantos são os que já apresentam decisões, negativas ou positivas, cristalizadas. Mas parece não haver qualidade de pesquisa que seja imune à decisão de desinformar.
Em tempos de crença dogmática nas forças do mercado, nunca é demais registrar que as virtudes da concorrência não excluem a possibilidade de alguma supervisão. Essa, por exemplo, foi a idéia sugerida pelo deputado federal Candido Mendes (PSDB-RJ) à Mesa da Câmara, para que o Legislativo, utilizando centros universitários de excelência, pudesse avaliar as metodologias de pesquisa em uso e realizar pesquisas independentes. Até o momento, tal iniciativa não teve nenhum resultado.
Não há nada de extraordinário a fazer no que diz respeito à prática das pesquisas. Ao princípio da concorrência deve-se acrescentar a decisão política e legislativa de transmitir ao eleitor, pelos meios de comunicação, a variedade de resultados obtidos pelos diferentes institutos. A forma de divulgação deve ser orientada, se não por critérios superiores de apego à democracia, por uma avaliação mais benévola da capacidade cognitiva dos cidadãos brasileiros. Se a isso puder ser acrescentada a colaboração de centros universitários de excelência, com tradição em pesquisas sobre a política brasileira, a discussão para as próximas eleições corre o grave risco de melhorar de qualidade.

Renato Lessa, 44, cientista político, é diretor-executivo do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro), professor titular da Universidade Federal Fluminense e secretário-executivo da Associação Brasileira de Ciência Política.



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