São Paulo, segunda-feira, 18 de novembro de 2002

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RENDA E CIDADANIA

Foi especialmente oportuna a reunião, ocorrida na semana no Rio de Janeiro, de especialistas brasileiros e internacionais que tentaram estabelecer pontos comuns para a medição do fenômeno da pobreza mundial. O encontro, que tem a chancela da Organização das Nações Unidas, deu-se no momento em que se debate a proposta do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, de abraçar a causa do combate à fome como prioridade de seu primeiro ano de governo.
Um argumento que vai ganhando adeptos no âmbito dos estudiosos da pobreza, e que dá o tom das discussões no Rio, é a necessidade de entender o fenômeno para além da carência de renda. Ser pobre é estar privado não apenas de dinheiro, mas também de direitos, de cidadania. Toda a dificuldade consiste em traduzir o mal-estar social em índices que possam ser expressivos desse fenômeno complexo.
Foi justamente expressando esse "novo consenso" que Peter Townsend, da London School of Economics, criticou a proposta do PT de conceder cupons para que a população mais pobre adquira alimentos: "Não acho que os ricos, se tivessem tempos difíceis, gostariam de receber comida. Defendo métodos universais para a elevação da renda".
O ponto, aqui, é como se encara o benefício e, em especial, a pessoa que o recebe. Ou ela é dada como incapaz de decidir onde e como gastar o dinheiro e, portanto, necessita de uma tutela do Estado (que lhe dá cestas básicas ou cupons, os quais só pode utilizar num número restrito de itens); ou ela é encarada como um sujeito que tem direito a um determinado piso de renda, mas que não tem de prestar contas a ninguém a respeito do uso desse dinheiro.
A segunda via é a via da moderna sociedade democrática. É preciso superar um ranço moralista que ainda reside em propostas de distribuição de alimentos em geral, traduzido em pensamentos simplórios como o de que "é preciso evitar que o pobre gaste seu benefício comprando cachaça". O acesso a uma renda mínima precisa começar a ser encarado como um direito universal de todo cidadão brasileiro, que tem autonomia para decidir sobre o seu melhor uso.



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