São Paulo, segunda-feira, 18 de novembro de 2002

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VINICIUS TORRES FREIRE

Brincando com o fogo da recessão

SÃO PAULO - Na quarta-feira, o Banco Central pode jogar o país numa recessão inútil. Isto é, pode aumentar os juros e, por tabela, o desemprego e a subalimentação (como se sabe -e não se cansam de repeti-lo o presidente e outras doutas pessoas- não há fome no Brasil. Há apenas gente subalimentada e ignorante de metodologia e estatística social).
O BC aumentaria os juros a fim de conter a inflação, que de fato tem subido bastante. Mas um aumento maneiro de juros não vai funcionar. Hoje, juro mais alto não contém o dólar, que é o que tem posto fogo nos preços. O dólar sobe porque o país não tem crédito na praça mundial.
Se a economia crescer pouco em 2003, como é provável, sem reindexação (correção monetária) e se o governo gastar um pouco menos, a inflação tende a se amainar ou, pelo menos, a ficar estável.
Apenas um choque cavalar e asinino de juros teria efeito significativo sobre a inflação. Isso quer dizer: uma recessão feia como a fome e um aumento gordo da dívida pública. O povo tende a ficar irado e os mercados ainda mais desconfiados de um governo ainda mais endividado que o de agora.
O Brasil é muito diferente do que foi nos tempos de inflação alta, democracia em baixa, economia muito fechada e crescimento acelerado. Comparações políticas, sociais e econômicas são, pois, muito arriscadas. Mas não deixa de ser um alerta que cada período de redução da renda per capita em nossa história moderna esteja associado a tumulto social e à queda de governos. Foi assim em 1963-64 (golpe militar), 1980-83 (fim da ditadura militar) e 1990-93 (queda de Collor).
Obviamente, não quer dizer que vai haver um levante contra o bem-amado e recém-eleito Lula da Silva se houver uma recessão em 2003. Mas a renda do povo cai há quatro anos e ora é comida pela inflação. A renda real do país subiu apenas 1,4% no segundo governo FHC. A paciência popular parece estar acabando.
Não convém brincar de videogame econométrico e de BC alemão nos dias que correm. Calma com os juros.



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