São Paulo, segunda-feira, 18 de novembro de 2002

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BORIS FAUSTO

Carisma e história

Nos dias que correm, acho que vale a pena fazer um mergulho, mesmo que muito breve, na história do surgimento da Presidência carismática em nosso país.
Nesse terreno, como em muitos outros, o momento inicial é outubro de 1930, embora seja bom ressaltar que estilos políticos não se alteram em uma data precisa e levam anos ou décadas para se consolidar. De qualquer forma, a ascensão de Getúlio Vargas ao poder marcou o início do novo estilo, contrastando com as Presidências nascidas do acordo do "Clube de Notáveis", características da Primeira República.
É bem verdade que, no decorrer da década de 1920, surgiram sintomas de mobilização do eleitorado urbano, menos sujeito a constrangimentos, nas campanhas presidenciais. Foi o caso da eleição de 1922, em que o fluminense Nilo Peçanha, de origem plebéia e florianista histórico, esteve à frente de uma campanha de estilo americano, como se dizia na época.
Depois, foi a Aliança Liberal, que, entre fins de 1929 e os primeiros meses de 1930, tirou o país do marasmo político com os comícios realizados nas grandes cidades do país. Em "Ideais e Lutas de um Burguês Progressista" (quem se lembra hoje dessa expressão?), Paulo Nogueira Filho deixou um retrato entre admirativo e inquieto de uma cena paulistana: a gente do Braz, subindo a ladeira para engrossar o comício da Aliança na Praça da Sé, ao ritmo do bordão "queremos Getúlio".
Se Nilo foi derrotado por Artur Bernardes, Getúlio -também derrotado nas urnas duvidosas da Primeira República- subiu ao poder por força da Revolução de 1930. A partir daí, em 15 anos -quase sempre no âmbito de um regime autoritário-, o presidente, a elite governante e os intelectuais que estiveram a seu serviço construíram a figura da Presidência carismática, com o recurso de meios inovadores como o rádio e o cinema.
Não por acaso, o estilo veio para ficar.O Brasil cresceu, urbanizou-se cada vez mais e se converteu em uma democracia de massa: em 1930, votaram 5% da população do país; em 2002, algo como 50% de uma população muito ampliada. Não por acaso também, os anos do regime militar representaram uma exceção, na medida em que os generais presidentes evitaram o grande público e trataram de se legitimar pelos êxitos econômicos.
É certo ainda que o conteúdo da relação carismática variou muito, de presidente a presidente, a partir de 1945, de acordo com características pessoais e oportunidades políticas. Porém ela sempre integrou campanhas e mandatos de eleitos democraticamente, com uma única exceção.
Foi o caso do general Dutra (1946-1951). Mas é bom lembrar, a seu respeito, que o apoio de última hora de um reticente Getúlio contribuiu bastante para sua eleição. Na sequência, o mesmo Getúlio voltaria ao poder, sem chegar a concluir o mandato. O trágico desfecho de sua segunda Presidência mostrou que o carisma tem limites que não se pode ignorar.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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