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TENDÊNCIAS/DEBATES
América Latina: à altura dos desafios
ANOOP SINGH
A América Latina vive a mais longa fase de crescimento econômico contínuo desde os anos 70. O Brasil destaca-se como exemplo de sucesso
ESTE ANO assinala um marco importante para a América Latina.
Como mostra a nova edição do
informe "Perspectivas Econômicas:
As Américas do FMI", a região desfruta do mais longo período de crescimento econômico ininterrupto desde
a década de 1970. Em relação a 2002,
há mais 25 milhões de pessoas empregadas, enquanto 16 milhões foram
alçadas de uma situação de pobreza
com bons programas sociais.
O Brasil se destaca como exemplo
de grande sucesso. Ao contrário de
períodos anteriores, a atual expansão
se caracteriza por elevados superávits
em transações correntes e melhorias
nos fundamentos econômicos.
Esses bons fundamentos são de fato razão essencial da resistência da
América Latina, até agora, à turbulência financeira que começou em agosto. Houve certa volatilidade, mas, de
modo geral, a região não se deixou
abater pela crise do crédito "subprime" nos EUA, já que a exposição dos
países a esse tipo de investimento é
mínima e as oscilações nos fluxos de
capital foram absorvidas pelo câmbio.
Isso não significa, naturalmente,
que a América Latina esteja agora
imune ao contágio. Nosso relatório
mostra que a região continua altamente sensível a uma desaceleração
global acentuada, ao aperto dos mercados de crédito ou à deterioração das
relações de troca. Uma maneira de
atenuar esses riscos é a consolidação
e a ampliação das melhorias recentes
nos fundamentos macroeconômicos.
A política fiscal é um exemplo. No
ano passado, a região registrou superávits primários históricos, mas, em
geral, os gastos públicos estão crescendo a um ritmo acelerado. Mantida
essa tendência, a situação das finanças públicas estaria ameaçada.
Cabe aos governos encontrar a forma de equilibrar investimentos sociais e de infra-estrutura com a necessidade de reduzir a dívida pública e a
vulnerabilidade. Contas públicas
ajustadas ajudam os países a absorver
melhor a entrada de capitais e dar respaldo à política monetária.
Uma supervisão cuidadosa do setor
financeiro também é fundamental.
No ano passado, o crédito ao setor
privado cresceu em média 40%. No
Brasil, os mercados de capitais também estão em rápida expansão, como
ilustra a multiplicidade de emissões
privadas de ações e títulos de dívida e
aberturas de capital.
Considerando os baixos níveis de
intermediação financeira na região,
essa expansão não é necessariamente
motivo de preocupação. Contudo, as
turbulências recentes são um lembrete de que há um risco inerente em
tentar ampliar uma carteira de crédito à custa de relaxar os critérios para a
concessão de empréstimos.
Outra área crítica é a da política
monetária e cambial. A região desenvolveu regimes de política monetária
muito melhores nos últimos anos,
que têm se mostrado flexíveis às mudanças nos cenários externo e interno. Todavia, em muitos países, há sinais claros de que a inflação começa a
subir. Isso se deve, em parte, a fatores
relacionados à oferta, como os aumentos nos preços dos alimentos e
dos combustíveis, mas também é um
sinal de um ambiente de crescimento
vigoroso. Essas tendências inflacionárias têm de ser cuidadosamente
monitoradas.
Nesse contexto, as moedas de vários países, incluindo o real, se valorizaram. Isso é, em parte, resultado da
fragilidade do dólar, mas também é
um sinal de prosperidade econômica.
No Brasil, por exemplo, o fortalecimento do real está sendo acompanhado pelo crescimento dinâmico
das exportações. É claro que uma
moeda mais forte implica alguns custos de transição, mas também reforça
a importância de promover avanços
em outras frentes para aumentar a
produtividade e o investimento.
Em resumo, a região vem apresentando bons resultados, e as turbulências recentes mostram que a América
Latina é hoje mais resistente a choques do que no passado. Além do
mais, a economia mundial ainda cresce a um ritmo vigoroso, os preços das
commodities estão em alta e os fluxos
financeiros beneficiam a região.
Porém, é pouco provável que o ambiente seja sempre favorável e deve-se aproveitar a ocasião para identificar e solucionar as vulnerabilidades.
Ao mesmo tempo, cabe aos países
manter o foco na promoção do crescimento, com expansão do investimento e aumento da produtividade, o que
ajudará a consolidar os ganhos na batalha contra a pobreza e as desigualdades sociais.
O Fundo Monetário Internacional
continua empenhado em contribuir
para esses esforços, prestando assistência técnica e assessoria na formulação de políticas econômicas apropriadas para lidar com essas questões.
ANOOP SINGH, 57, é diretor do Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI (Fundo Monetário Internacional).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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